'Fintechs entregam o que o cliente quer', diz sócio-diretor do Neon
Sócio de banco digital diz que, enquanto Neon tiver acesso a capital, não se preocupará com lucratividade
O banco digital Neon, que em novembro recebeu um aporte de R$ 400 milhões liderado pelo Banco Votorantim e o fundo General Atlantic, vê exaustão no atual sistema financeiro nacional. "As fintechs reagem de forma muito mais rápida, entregando para o cliente o que de fato ele quer", diz Jean Sigrist, sócio-diretor da fintech.
Mesmo com a enorme concorrência dos bancos digitais entre si, o executivo não vê as fintechs passando por uma grande bolha: "O nível de competição das fintechs é enorme. Já tem um processo de seleção natural feito pelo investidor, que está cada vez mais seletivo", diz o executivo.
As fintechs vieram para ameaçar o domínio dos bancos tradicionais. Como vai ser a seleção natural das fintechs?
Não acho que as fintechs vieram para ameaçar o establishment dos bancos. O setor financeiro veio se consolidando e se estabelecendo nas últimas décadas, em um processo extremamente saudável do ponto de vista macroeconômico e social. Talvez tenha chegado a um momento de exaustão no qual se deve privilegiar a visão do cliente. Durante muito tempo privilegiou-se, com razão, o sistema financeiro.
Os bancos tradicionais não privilegiam seus clientes?
Os bancos estão cada vez mais preocupados em entender como o cliente funciona e suas reais necessidades. Mas há uma grande diferença em encarar o cliente como consumidor. Hoje há uma necessidade de ajuste muito rápido, da forma como você se comunica com o cliente e precifica seu produto. As empresas menores (fintechs) reagem de forma mais rápida, entregando para o cliente o que de fato ele quer.
Esse então é o ponto de inflexão dos bancos tradicionais?
O que causa esse ponto de inflexão é um rompimento de algumas barreiras que protegeram os bancos no Brasil durante muito tempo. São elas: um arcabouço regulatório, que favoreceu muito a concentração bancária no Brasil, a redução da inflação e da taxa de juros, que mexe com o modelo econômico de todos os bancos, e a tecnologia que assumiu o papel da agência. É uma mudança de paradigma relevante.
As fintechs se vendem como um modelo disruptivo. O que vai diferenciar uma fintech da outra?
As fintechs têm maior facilidade e espaço para construção de relacionamentos equilibrado com seus clientes. Quando se fala em fintechs, a gente já nasceu digital, não é alguém que está se transformando numa operação digital. As amplitudes do mercado financeiro vão existir em especializações. Não vemos o Neon com ofertas de A a Z. Vamos fazer produtos com os bancos e ter mais cooperação com o que cada um faz de melhor.
Quais seriam os produtos de cooperação com os bancos?
Financiamento imobiliário e produtos que têm de fazer captação de longo prazo. É natural que se tenha parceria com outros bancos. Além de financiamento de automóveis e créditos de longo prazo.
Em entrevista ao 'Estado', o presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, disse que as fintechs não têm muita preocupação de serem rentáveis e, por isso, têm caixa para gastar. Até quando vocês podem não ser rentáveis?
O mercado financeiro brasileiro é um dos mais rentáveis do mundo, ao mesmo tempo que é um dos mais concentrados. O Neon não tem uma resposta precisa para isto. Enquanto tiver espaço para crescimento e a gente tiver acesso a capital, temos a escolha de crescimento em detrimento à lucratividade.
Como é a estratégia da Neon para reter os clientes?
Tendo a acreditar que o engajamento dos clientes com as fintechs é parecido com o dos clientes com os bancos tradicionais. Se a gente tem uma dificuldade de engajamento, quer dizer que a relação não está funcionando. Com relação ao processo de seleção natural, ou não natural, o leque das fintechs é extremamente amplo. A Neon não vai fazer tudo.
Como captar os clientes que não são bancarizados?
A gente não tem estratégia específica para bancarizar clientes. Cerca de 95% dos nossos clientes já têm experiência com banco. O cliente que escolheu o Neon veio para cá porque quis. E esse é um processo bacana de se começar uma relação. A gente nunca comprou uma folha de pagamento. A nossa relação é recente, e os clientes começaram a relação com a gente. No Brasil isso não acontece. É muito raro o cliente, por livre espontânea vontade, procurar o banco.
As fintechs podem virar uma bolha?
Talvez a bolha da internet nos anos 2000 tenha sido a única de ativos não reais. De lá para cá, a gente vê várias bolhas de negócios reais, como a de ativos imobiliários nos EUA. O nível de competição das fintechs é enorme. Já tem um processo de seleção natural feito pelo investidor, que está cada vez mais seletivo.