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O ciclo virtuoso da transformação digital

Uma tríade formada por propósito, impacto e enriquecimento guia as gerações que já estão e as entrantes no mercado de trabalho e criam uma perspectiva promissora para a América Latina

2 out 2020 - 13h01
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Em agosto, o Mercado Livre se tornou a companhia mais valiosa da América Latina. É a primeira vez que uma empresa tecnológica conquista o posto, deixando para trás no pódio as historicamente invictas mineradoras e petroleiras. O feito é uma prova do avanço da transformação digital na região, já representada em outros números. A participação de empresas de tecnologia no PIB brasileiro, por exemplo, triplicou na última década.

Para descrever o que esses marcos significam verdadeiramente para a sociedade latino-americana, porém, e encaixar com alguma precisão a pandemia e suas repercussões nesse contexto, é preciso dar alguns passos atrás, olhar passado e presente de uma região conhecida por suas especificidades e, sobretudo, desigualdades sociais.

Nosso fundo de venture capital, Atlantico, faz uma análise profunda anual com base em centenas de números para acompanhar o curso da transformação digital. Pela primeira vez, abrimos os resultados ao público.

Apesar da acelerada na digitalização que vivenciamos nos últimos anos, a penetração da tecnologia no Brasil (com base no valor de mercado de empresas de tecnologia como porcentual do PIB) é de somente 3%, enquanto os Estados Unidos batem os 39% e a Índia, nossa companheira entre os emergentes, alcança os 13%. Para além de qualquer competição entre países, o que esse número representa é bem ilustrado em uma frase do escritor William Gibson: "o futuro já está aqui - só não está distribuído igualmente".

Um dos efeitos do coronavírus (e do chamado "novo normal") foi o de tornar, forçadamente e em circunstâncias extremas, esse tal futuro mais acessível a todos. Para dar uma ideia, em 10 semanas de pandemia, a participação do e-commerce no varejo aumentou os mesmos 5% que havia crescido nos últimos 10 anos. No setor financeiro, somente o aplicativo Caixa Tem, usado para distribuir o auxílio emergencial, foi baixado 30 milhões de vezes.

A escalada exponencial da tecnologia aconteceu de repente com o coronavírus, mas não faltavam vestígios de seu curso. Bastava olhar para onde o capital financeiro e humano estavam fluindo. De um lado, investimentos em venture capital no Brasil superaram 2 bilhões de dólares, depois de quase dobrarem anualmente desde 2016. De outro, uma quantidade cada vez maior de talentos abandonam carreiras tradicionais no mercado financeiro e em corporações gigantes para encontrar propósito em uma startup.

A primeira onda a que assistimos nesse sentido foi a de empreendedores brasileiros criando negócios globais e tornando-se exemplos para uma próxima geração - Mike Krieger, do Instagram, e, Henrique Dubugras, da Brex, são alguns. Depois, uma nova leva surgiu, determinada a desbravar e resolver gargalos conhecidos na América Latina. Com clínicas populares e telemedicina, o Dr. Consulta se propõe a resolver o acesso à saúde a uma população que, quando muito, entra em filas no SUS. O Nubank incluiu milhões de brasileiros no sistema financeiro, num modelo justo e digital. A Stone modernizou pagamentos e garantiu competitividade de PMEs. O efeito dessas histórias vai além dos negócios em si: pressionam sistemas a melhorarem para continuarem no jogo. Os avanços do PIX, do Banco Central, são uma amostra disso.

A onda atual é a de talentos, com diferentes experiências e idades, se juntando a essas e outras startups com ambições tão grandiosas quanto às mencionadas. Em pesquisa com cerca de 2 mil alunos de faculdades, 26% disse ter vontade de trabalhar com tecnologia - outros 27% deles já fazem estágio!. A promessa vai além de gerar impacto na vida de pessoas. É, também, a de enriquecer junto à empresa, a partir de um modelo que permite a colaboradores ganharem participação no negócio. Uma média de 7% do valor de mercado dos unicórnios da América Latina estão na mão de funcionários, sem contar com os fundadores. Na média, cerca de 70 funcionários por unicórnio já têm, ao menos, R$ 1 milhão em equity (e muitos, valores dez vezes maior). É incrível pensar que os novos milionários latino-americanos estão no quadro de empregados em startups.

O movimento a que assistimos nos últimos anos e, especialmente, ao longo da pandemia, forma um ciclo virtuoso. Uma tríade formada por propósito, impacto e enriquecimento guia as gerações que já estão e as entrantes no mercado de trabalho e criam uma perspectiva promissora para a América Latina. Impossível prever o futuro, mas o que tudo indica é que essa fórmula pelo menos colocará o futuro na mão de mais e mais pessoas.

É SÓCIO DO FUNDO DE VENTURE CAPITAL ATLANTICO. FOI FUNDADOR DO PEIXE URBANO E DO CANARY

Estadão
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