Startups têm pior mês de março desde 2016 e ecossistema fica estagnado
Falência do Silicon Valley Bank puxou trimestre para baixo, que recuou em 86% em relação a 2022
Os investimentos em startups brasileiras praticamente cessaram no primeiro trimestre de 2023, o que acentua a tendência de queda em aportes vista desde o ano passado. Segundo relatório da empresa de inovação Distrito divulgado na terça-feira passada, 4, a retração foi de 86% na comparação com 2022.
O volume levantado nos primeiros três meses deste ano foi de US$ 247 milhões em 91 rodadas, segundo a Distrito. No período, receberam cheques startups como Daki (US$ 50 milhões) e Diferente (US$ 16 milhões).
Além disso, março foi o pior mês para o setor desde 2016: US$ 49 milhões foram levantados por startups brasileiras em 34 rodadas, ante US$ 34,8 milhões com 19 aportes naquela época. A queda também foi substancial para o mês de março: em 2022, os valores foram de US$ 482 milhões em 106 negócios.
Puxando o trimestre para baixo, a retração de março foi causada principalmente pela falência do Silicon Valley Bank (SVB), que ocorreu no dia 10 e surpreendeu o mercado financeiro com uma corrida bancária que levou ao fechamento da instituição em dois dias e receio de crise bancária mundial. Fundado em 1983, o SVB era o favorito entre as startups e os fundos de investimento americanos e brasileiros que operam com dólar.
"O mercado de inovação já estava num contexto delicado, de reprecificação de ativos de tecnologia, de demissões em massa, de abandono da busca por crescimento em prol de rentabilidade", explica Gustavo Gierun, cofundador e presidente executivo da Distrito. "E o SVB, que era a maior referência, gerou insegurança no mercado como um todo."
Na prática, isso significa que investidores podem ter enfrentado dificuldade para movimentar capital ou, ainda, que estivessem ocupados transferindo os depósitos para outras instituições financeiras, depois que as autoridades americanas acalmaram o mercado e se comprometeram a bancar quaisquer prejuízos.
Para Gierun, apesar de o pior do receio ter passado, ainda não há otimismo à vista. "Ao honrar a liquidez do banco, o governo americano não gerou rupturas. Por outro lado, o mercado não mostra sinais claros de uma recuperação em curso", afirma.
Desde 2022, os aportes vêm secando conforme autoridades monetárias, principalmente o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), sobem os juros para conter a inflação gerada pelo desarranjo das cadeias globais com o fim do isolamento social da pandemia de covid-19 e com a guerra na Ucrânia.
Segundo a Distrito, o ano de 2022 registrou US$ 4,5 bilhões em cheques direcionados a 918 startups do Brasil, retração de 14% em relação a 2021.
Retração é maior nas gigantes
Apesar do recuo de 86% no setor, as startups mais maduras, conhecidas como "late-stage", viram reduzir os aportes em 99,8% na comparação trimestral com 2022, segundo a Distrito.
As startups dessa categoria costumam ser empresas com alta demanda por capital e em necessidade de crescimento acelerado. Fazem parte do grupo os "unicórnios", nome dado às seletas empresas de tecnologia que atingem avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão. Vendo a torneira do capital secar, essas companhias ajustam seus negócios rumo à rentabilidade, já que não têm o capital abundante de anos atrás para crescer — daí as demissões em massa, que ocorrem no setor de tecnologia global desde o ano passado.
O relatório da Distrito aponta também que as startups em estágio inicial perceberam encolhimento de 92,6% no primeiro trimestre deste ano. Já as startups em etapa semente, isto é, que acabaram de nascer, representaram queda de 74,2%.
Copo meio cheio
Apesar da retração, investidores defendem que o setor não está em crise e que o momento é de ajustes após a euforia na pandemia de covid-19, quando a liquidez e o interesse em ativos de tecnologia estavam em alta. Os anos de 2020 e 2021, somaram recordes em investimentos no setor, com US$ 3,6 bilhões e US$ 9,9 bilhões, respectivamente, diz a Distrito.
Daniel Chaffon, sócio da Astella, gestora que opera desde 2010 no País focada em startups nacionais iniciantes, diz que o fundo continua recebendo firmas de tecnologia em busca de capital para crescer — no ano passado, o número foi de mil dessas empresas que entraram em contato, mas só 0,5%, em média, foram aprovadas para receber um cheque.
"Voltamos para o cenário anterior à pandemia, sem aquela exuberância irracional da época", diz.
Para o restante do ano, Gierun também mantém otimismo, apesar de cravar que 2023 deve encolher em relação a 2022. "As grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos já recuperaram 30% a 40% do valor nos últimos meses. Esse é um sinal positivo", diz. "O mercado de tecnologia não morreu".