Supercondutores em xeque: tudo o que se sabe sobre o pesquisador acusado de má conduta científica
Cientista teve trabalho questionado por colegas e colocou em dúvida a veracidade de sua tese sobre avanço na supercondutividade, que pode revolucionar a tecnologia nas próximas décadas
Uma série de acusações contra o trabalho acadêmico de um cientista tem colocado em dúvida os avanços recentes na área de supercondutividade em temperatura ambiente, campo que busca uma forma de conduzir energia elétrica sem necessidade de resfriamento — o que transformaria a engenharia e a eletrônica, destravando saltos na computação quântica e permitindo até trens de levitação magnética, por exemplo.
As acusações são direcionadas ao cientista Ranga P. Dias, nascido no Sri Lanka, doutor em física da matéria condensada extrema pela Universidade do Estado de Washington, pós-doutorando na Universidade de Harvard e professor nos departamentos de física e engenharia mecânica da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos.
Colegas de trabalho acusam Dias de mau comportamento científico, citando que o professor cometeu plágio e falsificação de dados em um artigo publicado em março de 2023 na Physical Review Letters, revista científica de física.
O artigo criticado não aborda a supercondutividade, mas descreve como um material relativamente comum, o sulfeto de manganês, muda seu comportamento de isolante para metal e, em seguida, de volta para isolante sob pressão crescente. O supercondutor discutido no artigo pode operar a 21º Celsius (70º Fahreinheit), mas a uma pressão de esmagamento de 145 mil libras por polegada quadrada.
Pesquisadores levantaram suspeitas sobre os gráficos e dados apresentados no material, o que levou à revista Physical Review Letters a recrutar especialistas externos para averiguar as informações publicadas.
A checagem pelos pares chegou a conclusões inquietantes.
"As descobertas confirmam de forma convincente as alegações de fabricação e falsificação de dados", escreveram os editores da revista em um e-mail para os autores do artigo em 10 de julho, de acordo com correspondência obtida pelo jornal americano New York Times.
Os autores do artigo, incluindo Dias, tentaram se defender das acusações, mas os dados adicionais solicitados pela revista para respaldar as afirmações do artigo claramente não correspondiam ao que havia sido publicado. Ou seja, as críticas parecem continuam com algum fundamento.
"Não há mais nenhuma negação plausível", disse N. Peter Armitage, professor de física e astronomia da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, que está entre os cientistas que viram os relatórios. "Eles apresentaram dados falsificados. Não há ambiguidade alguma."
Histórico de retratações
Além do caso de março de 2023, em setembro de 2022, a revista científica Nature fez alertas para um artigo publicado em 2020 por Dias na publicação, a partir de inconsistências levantadas por outros cientistas da área.
"Não se pode acreditar em nada que ele diz ou publica", disse o cientista Dirk van der Marel, da Universidade de Genebra, na Suíça, e quem levantou os alertas na Nature, segundo o jornal americano Wall Street Journal.
Os críticos também descobriram que a tese de doutorado de Dias, concluída em 2013 na Universidade do Estado de Washington, contém trechos de plágio que foram copiados do trabalho de outros cientistas.
Ragan nega acusações
Ragan Dias nega as acusações recentes e defende o seu artigo publicado. O pesquisador disse que os coautores, trabalhando no laboratório de Ashkan Salamat, professor de física da Universidade de Nevada, cometeram erros ao produzir gráficos dos dados usando o Adobe Illustrator, software não comumente usado para fazer gráficos científicos.
"Quaisquer diferenças na figura resultantes do uso do software Adobe Illustrator não foram intencionais e não faziam parte de nenhum esforço para enganar ou obstruir o processo de revisão por pares", disse Dias em resposta a perguntas sobre a retratação. Ele reconheceu que as medidas de resistência em questão foram realizadas em seu laboratório em Rochester.
Em uma declaração fornecida por seu porta-voz, Dias disse: "Expressamos nossa decepção em relação à decisão tomada pelos editores da PRL e enviamos devidamente nossas respostas para responder às suas perguntas sobre a qualidade dos dados no artigo original".
Não houve má conduta científica e o trabalho não continha fabricação ou manipulação de dados, nega o cientista na declaração.
LK-99
As discussões acontecem em meio a uma corrida mundial pela descoberta do supercondutor perfeito, que pode funcionar em temperatura ambiente.
Recentemente, pesquisadores da Coreia do Sul publicaram um trabalho em que afirmam ter descoberto um material capaz de realizar essa façanha, batizado de LK-99. Até então, a inovação não foi revisada pelos pares da comunidade científica.
O episódio do sulfeto de manganês ecoa um escândalo científico ocorrido há duas décadas no Bell Labs, em Nova Jersey. Um físico de lá, J. Hendrik Schön, publicou uma pesquisa inovadora que acabou sendo fabricada.
"Minha reação inicial é que esse caso é muito semelhante ao de Schön em termos do que parece ser uma duplicação de dados", disse Lydia L. Sohn, professora de engenharia mecânica da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que foi uma das cientistas que encontrou gráficos quase idênticos em vários artigos do Dr. Schön.
Lydia disse que as evidências até o momento não são suficientes para chegar a uma conclusão segura de má conduta científica no trabalho com o sulfeto de manganês. Ela observou que um painel montado para investigar o escândalo do Bell Labs ofereceu a Schön a oportunidade de verificar seus experimentos.
"Os autores do PRL também deveriam ter essa oportunidade", disse Lydia. Se o fenômeno for real, disse ela, "então os dados se repetirão". / COM 'THE NEW YORK TIMES'