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Inteligência artificial, plágio e educação: os desafios do mundo acadêmico na era digital

Com ferramentas extremamente avançadas, fica cada vez mais difícil identificar o que foi gerado pelas máquinas

23 abr 2024 - 05h00
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Foto: frimufilms/Freepik

O ChatGPT 3.5 foi lançado pela OpenAI em novembro de 2022, e desde então, a inteligência artificial (IA) se integrou à vida das pessoas no mundo inteiro, seja para tarefas mais complexas ou mais simples. O fato é que não há volta para um mundo sem a IA e isso tem impacto em diversos campos da sociedade, inclusive na educação acadêmica.

Um estudo conduzido pela empresa de consultoria e investimentos estratégicos Tyton Partners e patrocinado pela companhia Turnitin, que trabalha na identificação de plágio, realizado em outubro de 2023, descobriu que quase metade dos alunos entrevistados utilizaram ferramentas de IA generativa, mensal, semanal ou diariamente. 

Outro dado mostrou que 75% desses alunos confirmaram que vão continuar usando essa tecnologia mesmo se houver proibição por parte dos professores e das instituições que estudam. 

Ainda assim, o plágio nas universidades e pesquisas não é novidade. Ele já existia no meio acadêmico mesmo antes da IA — agora só acentuou.

No início de 2024, a reitora da Universidade de Harvard, Claudine Gay renunciou seu cargo, em parte por conta de acusação de plágio e também poutros aspectos políticos polêmicos em seu mandato. 

Em outubro do ano passado, após a reitora ter sido questionada a respeito de sua bolsa de estudos, os representantes da instituição acadêmica informaram que Gay solicitou uma avaliação independente para não causar conflito de interesses. Após a investigação, foi concluído que em uma dissertação de 1997 feita pela ex-reitora, houve plágio de dois parágrafos de um artigo publicado um ano antes por outro autor.

O que é o plágio, juridicamente falando

Mas antes mesmo de entrar nas questões que envolvem novas tecnologias, é importante destacar o que é considerado plágio. 

Em sua forma mais simples, o plágio ocorre quando alguém copia um trabalho como se fosse seu, sem a autorização do autor original e sem dar créditos. Ao redor do mundo, em diferentes áreas e indústrias, o princípio é o mesmo. 

Camila Studart, advogada especialista em direito digital e proteção de dados, afirmou em entrevista ao Byte que na visão jurídica, a forma que o plágio pode acontecer é através da reprodução indevida de trechos, ou até mesmo a totalidade dessas obras, sem citar a fonte.

Além disso, a paráfrase sem a citação também é considerado plágio (reescrever a ideia de outro com suas próprias palavras), o que também entra outros aspectos de direito autoral, como teorias, conceitos, interpretações, explica a especialista. 

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De acordo com a advogada, no Brasil, os direitos autorais são regulamentados pela Lei nº 9.610/98. Ela destaca alguns artigos, como o art. 18 que pontua que a proteção aos direitos independe de um registro.

Assim como para reproduções, há o art. 46, que explica o que não fere a Lei. Por exemplo, para publicação na imprensa diária ou periódica, em uma notícia que tenha o nome do autor, não é considerado plágio. Autoplágio (copiar uma obra de si próprio) também é crime.

Para Marcelo Krokoscz, diretor da Escola Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) e fundador do Instituto Antiplágio, o autoplágio também está fora das boas práticas do meio acadêmico.

“Quando a própria pessoa apresenta pela segunda ou terceira vez aquilo que ela já produziu anteriormente, do ponto de vista acadêmico, isso é considerado fraude ou má conduta científica”, disse, em entrevista ao Byte

“Na ciência, o conhecimento sempre tem que avançar. O cientista pesquisador não é cantor. O cantor compõe uma música, ela faz sucesso, ele canta no mundo inteiro, mas na ciência não”, disse. “Quando eu repito aquilo que eu mesmo já escrevi, eu tenho que dizer que estou repetindo.”

Implicação jurídica da IA no plágio

Como explica Krokoscz, o texto gerado pela máquina, do ponto de vista do direito autoral, não tem um dono, porque o dono seria a máquina.

"A Lei se aplica às pessoas. Se hoje, eu acesso a máquina e peço para ela gerar um texto sobre os impactos da inteligência artificia e a ocorrência de plágio, ela gera esse texto para mim. Eu posso pegar esse texto, e, do ponto de vista da originalidade, eu sou a primeira pessoa a ter construído aquele texto”, exemplifica.

Mesmo com a inteligência artificial já infiltrada no campo acadêmico e dos direitos autorais, não houve nenhuma mudança significativa na legislação brasileira, apesar do tópico levantar discussões. 

A advogada explica que o Projeto de Lei (PL) nº 21/2020 estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil, foi aprovado com alterações em 2021, mas segue parado.

"Nos Estados Unidos, o governo de Joe Biden também se movimenta no sentido de colocar barreiras ao uso e desenvolvimento das IAs”, disse Camila. 

Enquanto não há na legislação detalhações sobre o uso de IA na comunidade acadêmica, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) é a atual responsável por disseminar as boas práticas, parâmetros e instruções para que o plágio, por falha técnica ou desconhecimento, diminuia nas universidades, seja para alunos da graduação ou pós-graduação. 

Porém, a entidade ainda não fez nenhuma alteração sobre suas normas no que diz respeito à IA desde sua última atualização, em 2018. 

As ferramentas, IA e a reprodução indevida

De acordo com o diretor da Fecap, a fraude autoral precede a escrita como conhecemos hoje. Krokoscz explica que os monges copistas da idade média, por exemplo, (que trabalhavam escrevendo ou copiando livros) não são considerados plagiadores, mas figuras com grande importância histórica, uma vez que esse trabalho trouxe conhecimentos antigos que chegam até os dias atuais. 

A Turnitin, companhia americana que fornece serviços de detecção de similaridade, aprofundou a discussão e disse em entrevista ao Byte que a escrita gerada por IA não é um conceito binário com diretrizes consolidadas sobre o que é aceitável fazer ou não.

“Em vez disso, essa tecnologia é uma disrupção, e exige que repensemos muitos aspectos do nosso mundo, desde a educação até o mercado de trabalho e mais do que isso”.

Porém, na perspectiva de Krokoscz, o problema não é como a inteligência artificial aumenta ou até mesmo toda a questão de como as ferramentas estão sendo usadas para plágio no meio acadêmico. "O problema nunca foi a ferramenta, o recurso. O problema sempre foram as pessoas e a cultura”, disse.

Desde o surgimento da internet, os recursos produção de texto automatizado facilitaram todo o processo de "copiar e colar", uma vez que sem as ferramentas e a conexão, isso não era tão fácil. Imagine: ir para bibliotecas, procurar livro por livro e depois transcrevê-los?.

Hoje, apesar dessa praticidade, há também a tecnologia para o "bem": ferramentas que fazem o processo contrário e identificam o plágio.

Ainda assim, nem sempre é fácil identificar. "É interessante notar que já existem muitos recursos de manipulações textuais que o usuário pode fazer para enganar o software que vai detectar a similaridade, e esses recursos funcionam”, diz o diretor da Fecap, Marcelo Krokoscz.

Precisão das ferramentas

Para se ter ideia, essas ferramentas funcionam com certa precisão, mas não é sempre que são capazes de detectar o que a inteligência artificial produziu.

Em um experimento publicado na revista International Journal for Educational Integrity, a professora de mídia e computação da Universidade de Ciências Aplicadas da HTW em Berlim, Debora Weber-Wulff, com sua equipe de pesquisadores, testou 14 ferramentas de detecção de inteligência artificial, como Zero GPT, Turnitin e Compilatio, e outros populares no mercado. 

Os pesquisadores chegaram a conclusão de que, apesar das ferramentas conseguirem atingir uma detecção de 96% quando a cópia era escrita por um humano, há mais dificuldade em identificar um texto gerado pela IA. Na primeira conclusão, o nível de precisão alcançava 74%.

Conforme os dados da Turnitin, desde o lançamento da plataforma de detecção de escrita que utiliza inteligência artificial, feito em abril de 2023, mais de 200 milhões de trabalhos foram revisados. 

Desse número, cerca de 22 milhões (aproximadamente 11%) têm pelo menos 20% de escrita de IA presente. Mais de seis milhões (aproximadamente 3%) têm pelo menos 80% de escrita feita por inteligência artificial.

Para Krokoscz, um dos maiores problemas em relação ao plágio no Brasil não chega a ser a sua ocorrência ou quais métodos são usados para combate. Em grande parte, o que mais afeta é a banalização desse crime.

Em um estudo liderado por Krokoscz e publicado na revista científica Iternational Journal for Educational Integrity, em 2021, a análise descobriu que em 2013, houve plágio direto (ou seja, palavra por palavra) em 65,9% dos artigos publicados nas revistas investigadas.

Já em 2018, esse mesmo tipo de plágio foi encontrado em 44% dos artigos publicados, indicando uma diminuição significativa de 21,9% na reincidência de plágio.

A pesquisa, no entanto, não investiga os motivos qualitativos dessa diminuição. Entretanto, o diretor da Fecap acredita que há formas preventivas de diminuir a recorrência. 

Como combater o plágio além das máquinas

Ao Byte, a Turnitin disse que acredita que mesmo com as ferramentas, não há substituição para a conexão humana. “Nossa orientação é e sempre foi que não há substituto para conhecer um aluno, seu estilo de escrita e seu histórico educacional”, disse. 

Krokoscz diz que as medidas preventivas, de caráter educativo, institucional e coercitivo funcionam para a diminuição do plágio. Ainda, acredita que ser transparente é o melhor remédio nesses casos.

“Para nós, a originalidade e a integridade são valores. Mas para a sociedade, isso não é um valor. A originalidade e a integridade não são valores, então deixam de ser algo que preocupa ou que envergonha”, explicou Marcelo.

Já para a advogada Camila, essa perspectiva educacional, com a implementação de programas de conscientização sobre ética na pesquisa e direitos autorais é fundamental, assim como o uso de ferramentas de detecção, mas que seja institucionalizado nas universidades e escolas.

“As instituições precisam avaliar a situação, considerando a gravidade do plágio e as circunstâncias. As consequências podem variar, indo desde uma simples advertência até a expulsão, dependendo da política da instituição e das leis aplicáveis”, avaliou.

Fonte: Redação Byte
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