Internet contribui para violência nas escolas, mas há soluções; saiba quais
Internet influencia em atentados em escolas brasileiras; ampliar moderação de conteúdo e monitorar extremistas são soluções apontadas
A internet é um dos principais fatores que contribuem com atentados em escolas, tendência crescente no Brasil na última década. Foram 22 ocorrências do tipo no país em 21 anos. Fóruns com usuários anônimos, redes sociais com moderação permissiva e apps de mensagens como o WhatsApp têm levado ao crescimento de subcomunidades de jovens e adultos extremistas.
Esse perfil de usuários é o que normalmente incentiva, organiza ou protagoniza atentados como o da Vila Sônia, em São Paulo, no final de março, que matou uma professora, e o de Blumenau (SC), na semana passada, que resultou em quatro crianças assassinadas.
Na visão de pesquisadores ouvidos por Byte, pais têm falhado no monitoramento de acesso virtual dos filhos. Além disso, o governo deve se mostrar mais aberto a ouvir entidades da sociedade civil para que a regulação de mídias e internet não torne-se ineficaz ou obsoleta.
Para além do ambiente digital, soma-se outros fatores como uma geração de adolescentes sem amparo psicológico, regulamentação falha de discursos de ódio, deficiências na grade curricular de escolas, a polarização política e o recente culto às armas no Brasil.
A internet e os atentados nas escolas brasileiras em números
Um mapeamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta 22 ataques planejados a escolas no Brasil desde 2002. O mais alarmante deste número é que, do total de casos, 13 estão concentrados nos últimos dois anos. Ou seja, mais da metade das ocorrências totais. Ao todo, 30 pessoas morreram, sendo 23 estudantes, cinco professores e dois funcionários das escolas.
O primeiro episódio foi registrado em 2002. À época, um adolescente de 17 anos disparou contra duas colegas dentro da sala de aula de uma escola particular de Salvador. Mas o primeiro caso a chocar o país foi o massacre de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro. Em 2011, um jovem de 23 anos matou 12 alunos e cometeu suicídio na escola onde havia estudado.
Em 2019, dois homens invadiram e atacaram alunos, professores e funcionários da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP). Morreram dez pessoas, incluindo os autores do crime.
Tanto em Realengo quanto em Suzano, os criminosos tinham histórico de serem vítimas de bullying escolar. Após os crimes, foram exaltados como heróis em fóruns da dark web, parte da internet que conta com um sistema de acesso que dificulta a identificação e os rastros dos seus usuários. Muitos dos participantes desses ambientes são incels — abreviação em inglês para "celibatários involuntários", que culpam as mulheres por sua incapacidade de se relacionar com elas.
Tais grupos também se inspiram em casos semelhantes nos EUA. Um levantamento realizado pelo jornal Washington Post mapeou 377 incidentes desde 1999. O mais conhecido foi em 20 de abril de 1999, na Columbine High School, no Colorado.
Além do tiroteio, o ataque envolveu o uso de bombas para afastar os bombeiros, tanques de propano convertidos em bombas colocados na lanchonete, 99 dispositivos explosivos e carros-bomba. Os autores do crime mataram 12 alunos e um professor e cometeram suicídio em seguida.
Em 2023, o cenário não é tão diferente. O garoto de 13 anos responsável pelo ataque na Vila Sônia já havia sido denunciado por professoras de outras instituições devido a seu comportamento. Segundo as docentes, ele demonstrava interesse anormal por armas de fogo. Já as motivações no caso de Blumenau ainda estão sendo investigadas.
O governo federal tem esboçado uma reação. Após o episódio em Blumenau, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) lançou um canal online para denúncia de ameaças de atentados em escolas. No site, é possível fazer uma denúncia anônima por meio de um formulário simples.
Tentando entender o problema
A facilidade com que jovens na internet acabam esbarrando com grupos extremistas articulados explica parte do aumento, segundo Juliana Cunha, diretora da Safernet Brasil.
“São jovens com muita habilidade técnica e perfil autodidata, então são usuários avançados, que navegam muito, e podem acessar a deep web sem muita dificuldade. Mas, apesar dessa habilidade, eles ainda não têm a mesma consciência moral e capacidade crítica que temos quando adultos”, diz.
O cérebro ainda em formação, explica, impede que esses jovens expostos a conteúdos nocivos sejam capazes de filtrar ideias com propriedade e senso crítico. Assim, fica cada vez mais difícil impedir que grupos aliciem novos participantes dispostos a radicalizar contra a sociedade.
Carlos Affonso Souza, diretor do instituto de tecnologia e sociedade (ITS) e professor da faculdade de direito da UERJ, aponta que alguns discursos sobre violência nas escolas deixaram de ser exclusividade da deep web e já são discutidos em plataformas abertas como Discord, Telegram e Twitter.
O especialista chama a atenção para uma hashtag do Twitter que agrupa comunidades que discutirem situações de crimes reais. “Isso mostra que existe uma falha de moderação da parte do Twitter, em remover esses conteúdos”, diz Souza.
Para ele, as redes sociais usam inteligência artificial para moderar conteúdos mais explícitos, como nudez, sexo e pedofilia, mas deixam passar algo mais subjetivo, como a glorificação de autores de crimes.
“Esse tipo de conteúdo já é proibido nos termos de uso das plataformas. Então, não moderar esse conteúdo significa que elas não estão cumprindo as próprias regras”, disse o professor.
Além disso, ele defende uma maior importância dos órgãos governamentais brasileiros na moderação de conteúdo nas plataformas de internet. “Mudar o regime de responsabilidade é apenas uma dessas ferramentas. É preciso que se crie na legislação procedimentos para que essa moderação seja mais transparente, informativa e coerente”, afirmou.
O que pais e escolas podem fazer?
O diálogo dos pais com os filhos é primordial para evitar que a criança ou adolescente seja exposto a um ambiente digital perigoso. Porém, há outras formas mais efetivas para impedir que os menores sejam influenciados negativamente.
A coordenadora de projetos da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, Marina Meira, também defende o uso de aplicativos para moderação parental. Essas tecnologias permitem que um adulto controle o tempo de navegação da criança e quais sites podem ser acessados.
“É importante recomendar um canal de diálogo constante com as famílias, professores e estudantes sobre segurança, educação e empoderamento digital. Pode-se criar canais de comunicação para que toda comunidade escolar possa reportar eventuais movimentações suspeitas que encontrar na internet”, comenta Meira.
Nas escolas, ela recomenda a adesão a aplicativos com criptografia de ponta a ponta e outros tipos de mecanismos de segurança digital, para evitar o contato dos alunos com estranhos.
“Também é essencial as escolas investirem na formação crítica de professores e de estudantes sobre uso de tecnologias. Ou seja, incorporar de forma transversal a todo o currículo escolar temas como cidadania digital, empoderamento digital e educação para mídia”, diz a especialista.
O papel do governo
O governo federal têm convidado entidades da sociedade civil para debater uma regulação atulalizada para proteger jovens na internet. O presidente Lula incluiu em seu governo de transição um grupo de trabalho que debateu como crianças e adolescentes estão sendo cooptados por grupos extremistas na internet.
No entanto, o diálogo parece ainda se restringir às equipes técnicas dos governos e nenhuma ação nesse sentido foi tomada até o momento.
"Para combater o extremismo é necessário ações para além do espaço escolar. Algumas medidas incluem o desarmamento da população civil, a criação de uma rede de inteligência para monitoramento de grupos extremistas e a responsabilização criminal de líderes desses grupos”, diz Marcele Frossard, representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que elaborou o relatório.
Ela defende ainda:
- Uma revisão da Lei dos Crimes de Discriminação e Ódio Racial (Lei nº 7.716/1989), para a inclusão de crimes do tipo realizados na internet;
- A inserção dos crimes de ódio e violência extremista contra escolas nos paradigmas da justiça restaurativa.
Trata-se um modelo que busca restaurar a relação entre as partes envolvidas em um conflito. Em vez de apenas punir o infrator, ela incentiva-o a assumir a responsabilidade pelo seu comportamento e a reparar o dano causado. Já a vítima tem um papel ativo na resolução do conflito.
"Mesmo a questão da regulamentação precisa ser bem pensada, pois às vezes o legislador não tem o conhecimento. É importante que tenhamos um longo e complexo diálogo com diferentes setores", diz Cunha, da Safernet.
Os especialistas são unânimes, no entanto, sobre a ideia de uma força conjunta para coibir atentados em escolas, mapeando ações que devem ser tomadas também fora do ambiente digital.
“Regular só a internet não é suficiente porque temos a raiz do problema de educação, nas políticas públicas de combate a desigualdade e na violência de gênero. A discussão do Escola Sem Partido, por exemplo, impede que a escola faça seu trabalho de educação para os jovens, que são cooptados pelo extremismo. Não vemos antídotos com relação a isso. Respeito e tolerância precisam chegar às escolas” diz Cunha.