Chineses trocam tanque por pato para driblar censura na web
Foto do homem conhecido como o "rebelde desconhecido", que enfrentou uma fileira de tanques em 1989, foi modificada para driblar a censura chinesa
Ao entrar nas redes sociais chinesas na segunda-feira, véspera do aniversário do massacre da Praça da Paz Celestial, o usuário encontrou provavelmente a famosa imagem do homem em frente ao tanque que deu a volta ao mundo no final dos 1980 com uma notável diferença: no lugar dos carros de combate, o manifestante enfrentava uma fileira de patos gigantes.
Os internautas chineses conseguiram burlar assim a censura imposta sobre este trágico fato na internet, lançando mão da imaginação, quando hoje se completam 24 anos de um incidente que deixou um número total de vítimas ainda desconhecido.
Também conseguiram derrubar um sistema de censura - chamado "Great Firewall" ou "Grande Muralha Digital" - em constante mudança e que Pequim tenta sofisticar para fazer frente à astúcia da população chinesa e seu maior - e mais rápido - uso das tecnologias.
Exemplo disso é a fotografia divulgada ontem do homem conhecido como o "rebelde desconhecido", um manifestante que no dia 5 de junho de 1989 decidiu enfrentar uma fileira de tanques tentando cortar a passagem sem outra arma que sua própria convicção.
Uma cena imortalizada por três fotógrafos das varandas do hotel Beijing e que ontem - graças aos patos - conseguiu escapar do tabu que lhe impede de estar nos livros de História na China para penetrar nas principais redes sociais do país.
Sua divulgação foi mais que relevante: para alguns foi a primeira vez que viam a imagem símbolo de uma tragédia que hoje Pequim segue tentando esconder.
Como parte de sua estratégia de silenciar o ocorrido então a poucos dias do aniversário, o governo chinês estreou um novo sistema com o qual pretende tornar menos evidente o estrito controle imposto nas redes.
Antes, se alguém buscava um termo "sensível" - como "Praça da Paz Celestial" - encontrava uma mensagem que dizia que não era possível mostrar resultados devido à "regulação chinesa". Agora, por outro lado, o usuário tem êxito em sua busca, embora não seja o esperado.
"É censura igual, o que fazem é mostrar resultados irrelevantes", explicou à Agência Efe uma usuária chinesa, após introduzir "incidente de Praça da Paz Celestial" no Weibo - similar ao Twitter - e encontrar informação sobre os protestos ocorridos na famosa praça, mas em 1979.
Nem sinal de resultados que deem informação sobre o massacre ocorrido nos arredores do emblemático local na madrugada de 3 para 4 de junho de 1989, quando o governo mandou os tanques às ruas da capital para acabar com os protestos a favor da democracia.
A mensagem que antes assinalava que não havia resultados "de acordo com leis e regulações do país", no entanto, não desapareceu completamente do ciberespaço, de modo que segue aparecendo para buscas como "4 de junho", segundo pôde comprovar a Efe.
A iniciativa impulsionada pelas autoridades responde ao nervosismo demonstrado pelo governo em torno da lembrança da tragédia de 1989 ano após ano.
Em 2012, a inquietação de Pequim pela explosão de um protesto afetou até a Bolsa de Valores: o aparelho censor chinês bloqueou o termo "Bolsa de Xangai" depois que esta encerrou o pregão aos 64,89 pontos, um número que, separadamente (4 do 6 do 89), evoca a data do massacre de Praça da Paz Celestial.
Este ato responde à preocupação do regime, mas também à sagacidade mostrada pelos chineses, que conseguem encontrar termos com os quais falar de tabus de maneira aberta nas redes.
Para este aniversário, a invenção correu a cargo do número "535", o 35 de maio ou o novo 4 de junho chinês, o código que os usuários utilizam para falar do massacre.
Em forma de pato ou de número, as duas demonstrações de engenhosidade conseguiram romper o silêncio estabelecido.