Os truques ‘sujos’ da internet que enganam os usuários
Muitos já passaram por isso: se inscreveram em algum site ou serviço online e então descobriram que, na hora de cancelar o serviço ou assinatura, tudo fica muito difícil. Ou então, caiu em algum truque escondido no design de um site.
Um exemplo recente e polêmico foi o da Microsoft. Os usuários descobriram que fechar uma janela pop-up sobre a atualização para o Windows 10 era compreendido como consentimento para a atualização do sistema operacional, se o computador tivesse uma certa configuração considerada comum.
A estratégia da Microsoft foi descrita por um jornalista especializado em tecnologia como um "truque sujo". Muitas pessoas esperavam que, ao fechar a janela, estariam evitando a atualização.
Depois de muita reclamação, a Microsoft recuou em sua estratégia.
Mas esta não foi a primeira vez que um truque foi usado para empurrar algo para alguém na web.
Padrões obscuros
O consultor de tecnologia de Londres Harry Brignull criou a expressão "padrões obscuros" que, segundo ele, descreve uma interface que foi "cuidadosamente elaborada para enganar os usuários e levá-los a fazer o que não querem".
O site de Brignull, chamado Dark Patterns, tem uma lista de todo tipo de truques de sites, dos maiores aos menores, relatados pelos leitores.
Alguns truques foram proibidos na União Europeia como, por exemplo, adicionar itens no carrinho de compras quando um usuário compra em um site, sem que o usuário seja avisado.
Mas ainda existem muitos outros.
Outro truque comum ocorre quando alguém assina uma newsletter ou um serviço em um site e, quando quer cancelar tudo, descobre que é muito difícil.
O site Dark Patterns afirma que esta estratégia é a chamada "roach motel". A expressão em inglês pode ser traduzida literalmente como "hotel cheio de baratas".
Mas, de acordo com o site, um "roach motel faz com que seja muito fácil para um usuário entrar em uma situação, mas então dificulta muito para sair desta situação quando ele percebe que é algo que não quer".
Brignull também tambem descreve em seu site o que chama de "questões enganadoras", quando o processo de clicar em espaços para não receber propaganda por email é deliberadamente incoerente.
Um exemplo é o Royal Mail, o serviço de Correios da Grã-Bretanha. Ele pede para as pessoas que se registram no site que escolham se querem receber propagandas pelo correio, telefone, email ou mensagens de texto.
Mas, a questão seguinte não é muito clara e alguns usuários acabam escolhendo receber material de propaganda.
O Royal Mail afirma que as questões foram elaboradas para diminuir a confusão dos usuários.
"O Royal Mail visa facilitar ao máximo para seus clientes optarem por não receber informações que não sejam relevantes para eles", informou por meio de uma declaração.
Segundo a declaração da empresa, o Royal Mail também quer facilitar para que os clientes recebam informações que possam ser úteis e tentam deixar "esta escolha o mais clara e sem ambiguidades possível".
'Zucking'
Tim Jones, da ONG de defesa das liberdades civis no mundo digital Electronic Frontier Foundation, fez uma pergunta nas redes sociais.
Ele pediu que as pessoas enviassem uma frase ou palavra que definisse a prática de "deliberadamente criar linguagem confusa e interfaces com os usuários que os enganem e os levem a compartilhar mais informações pessoais do que eles realmente querem".
As respostas recebidas foram variações da palavra "zucking" (que em tradução livre ficaria algo como "zuckando"), uma referência ao fundador do Facebook, Mark Zuckerberg.
Jones escreveu sobre isto em um post em seu blog e acabou escolhendo algo menos pessoal: "interfaces maldosas".
"Compartilhar seus dados requer muito menos trabalho do que protegê-los", concluiu.
Mas isto ocorreu já há algum tempo. Em 2015 a política de privacidade do Facebook foi elogiada nos Estados Unidos por uma agência que fiscaliza o uso de linguagem ambígua de várias organizações do mundo.
Botão verde
Jennifer Winter, jornalista do site User Testing, voltado para testes de ferramentas e produtos, escreveu em 2015 sobre coisas irritantes na web.
Uma delas é a prática da "orientação errada". E ela ilustrou isso em um jogo para celular no qual os botões para começar a jogar e selecionar um nível eram, nos dois casos, longas abas verdes.
"Jogadores são treinados para associar botões verdes em games com continuar o jogo. Mas se você perdia o jogo, uma tela aparecia te convidando para comprar um movimento - e o botão para 'comprar movimento' também era uma longa aba verde."
"Adivinha quantas vezes eu cliquei no botão verde? Na verdade eu não faço ideia, pois perdi a conta", escreveu Winters.
No entanto, a jornalista lembrou que, para comprar mais movimentos no jogo era preciso visitar a loja de aplicativos. Então ainda havia uma barreira antes da compra acontecer.
"Onde quer que existam organizações que valorizam os ganhos no curto prazo ao invés de uma relação duradoura com os clientes, vão existir criadores (de jogos e aplicativos) que implementam padrões obscuros para tentar enganar os usuários e levá-los a fazer algo que normalmente não fariam", disse Hannah Alvarez, que também trabalha para o User Testing.
Harry Brignull, criador do termo "padrões obscuros" e do site a respeito, critica o comportamento dos sites.
"Insights psicológicos que já foram usados para evitar que as pessoas cometessem erros agora estão sendo usados para fazer com que elas comprem coisas", disse Brignull à BBC.
Escolha
Outra estratégia usada por companhias de tecnologia é uma conhecida como teste A/B, quando elas testam designs diferentes em um site já em funcionamento para ver qual gera os melhores resultados.
Um exemplo recente foi do Google, que fez um teste transformando os links em azul em seus resultados de buscas por páginas por links em preto, para ver se aumentava o número de cliques.
"Sempre fazemos muitas experiências com o design da página de resultados, em pequena escala", informou a companhia.
Durante o período em que foi uma das diretoras do Google, Marissa Meyer fez experiências com 41 tonalidades de azul para determinar qual cor conseguia atrair mais cliques para os links.
Para o especialista em ciência da web na Universidade de Southampton Leslie Carr, os truques giram em torno da tentativa de vender coisas para as pessoas e não há nada de novo nisto.
"A indústria (da propaganda) faz isso há 150 anos", disse.
Mas, para ele, as gigantes do setor de tecnologia como Microsoft e Google têm uma responsabilidade maior e deveriam obedecer mais às regras.
"Você precisa confiar na plataforma", afirmou.
Hannah Alvarez, do User Testing, afirmou que os criadores de sites e aplicativos precisam desenvolver a "empatia" em relação ao usuário.
"Isto significa questionar suas próprias hipóteses, perguntar como seus designs podem ser interpretados de uma forma diferente do que você queria e obter as reações dos usuários regularmente. (...) Não importa o quanto você seja experiente, nunca confie em seus instintos", afirmou.