Punições da Lei Carolina Dieckmann poderiam ser maiores, diz especialista
A Lei Carolina Dieckmann, que tipifica os cibercrimes e define punições para eles, entrou em vigor na terça-feira sob críticas e elogios. Para o professor de Direito Digital da Universidade Mackenzie, Rony Vainzof, as punições poderiam ser maiores, mas que como a lei é a primeira no segmento, ainda representa um avanço "pois há uma forma de tipificar a conduta".
"As punições até poderiam ser maiores para evitar que os criminosos tivessem o benefício do juizado especial criminal", pondera em entrevista ao Terra. No juizado especial criminal, dependendo de certos requisitos - como não ter sido condenado anteriormente, ou não ter usado esse juizado durante cinco anos - se a pena maior do crime em questão não ultrapassa dois anos, o réu tem direito de, em vez de cumprir pena, pagar cestas básicas ou prestar serviços à comunidade. "Mas não é uma punição, porque não se discute o mérito da ação", explica.
O professor destaca que já existiam leis para cobrir a maior parte dos crimes, mas ainda havia lacunas. "Por exemplo, para crime de invasão de dispositivo informático, tínhamos (a lei) de (invasão de) domicilio físico, enquanto para produção e distribuição de código malicioso, antes não tínhamos (legislação), agora temos", exemplifica. Outra lacuna preenchida pela Lei Carolina Dieckmann é em relação à obtenção de conteúdo de comunicação eletrônica privada, bem como de sua divulgação, crimes para os quais não havia punição específica e agora há.
"E é bom q se diga que o título em que estão previstos (esses delitos) é o de crimes contra a pessoa, ou seja, crime contra a vida, contra a honra, lesão corporal. É um título que combate o perigo da privacidade da pessoa, a inviolabilidade dos seus segredos", reforça o especialista em Direito Digital.
Brechas
Mas mesmo preenchendo algumas lacunas, a Lei Carolina Dieckmann ainda deixa brechas para alguns criminosos, como no caso de interrupção ou perturbação de serviços. "A lei cita muito bem a interrupção de serviço telemático ou de informação de utilidade pública. Qual o equívoco? O serviço de informação não precisava ter utilidade pública, poderia ser qualquer serviço, deveria ter suprimido a questão da 'utilidade pública'", opina.
Na lei atual, ataques a sites de organizações privadas não estão contidos na legislação. Nesses casos, no entanto, ainda é possível enquadrar o hacker na legislação de crime de dano, que determina punição para quem "destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia". O embate, segundo Vainzof, é se o termo "coisa", aqui, pode ser aplicado a um site. "A maioria das decisões, inclusive no STJ, concluem que sim, que 'coisa' pode ser bits e bytes, ou seja, crime punido com detenção de 1 a 6 meses" - na Lei Carolina Dieckmann, a pena por interrupção vai de 1 a 3 anos.
Intenção
O advogado também reitera que as punições da lei que entrou em vigor ontem são para atos da modalidade dolosa, ou seja, crimes cometidos com intenção. "Se tem uma namorada que coloca uma senha no seu celular e o namorado ou ex descobre e acessa - portanto sem autorização expressa ou tácita - pode eventualmente caracterizar como crime de invasão. Mas se houver anuência, ou se não houver senha, não é considerado. Mas intenção do legislador não foi pegar essas situações, e sim pegar o ato dos crackers", continua Vainzof.
"Os usuários que utilizam a internet no seu dia-a-dia não têm que ficar preocupados com qualquer questão relacionada a essa lei. Têm que comemorar, uma vez que justamente ela visa proteger também a privacidade de todos nós, usuários. Foi uma lei para combater os criminosos e não os usuários comuns. Se seu computador for usado como bot (robô infectado), você não vai preso, porque você não teve o dolo", pontua.
Marco Civil
Vainzof rebate as críticas de que a Lei Carolina Dieckmann não terá tanto efeito sem a aprovação do Marco Civil argumentando que os textos têm naturezas diferentes. "A lei em vigor hoje trata sobre os crimes. O Marco Civil, sobre direitos e responsabilidades", resume o advogado, "o Marco Civil é como se fosse uma constituição de direitos civis para internet, que prevê regras importantes sobre a proteção dos usuários".
O especialista explica que o Marco Civil ajudará para achar o culpado e então, pela Lei Carolina Dieckmann, puni-lo. Mas, para que esse criminoso seja identificado, defende, é preciso fazer algumas alterações na lei em discussão no congresso, "se não corre-se grande perigo de não ter eficácia na lei criminal por problemas de investigação".
Vainzof pontua a parte da legislação que não prevê a obrigação de guardar dados de usuários por parte das aplicações de internet - como YouTube, Facebook, serviços de blogs, etc. "A lei prevê a guarda de dados de conexão (IP) por parte de provedores por um ano e eles somente poderão ser fornecidos mediante ordem judicial", explica. Mas sem obrigar redes sociais e outras aplicações a fazer o mesmo, o Marco Civil pode prejudicar investigações.
"Muitas vezes uma investigação criminal depende dessas informações do usuário para se identificar o criminoso. Hoje em dia, na pratica, apesar de não ter lei, eles (os serviços) guardam. É pior ter a lei porque ela vai estar falando que não precisam mais guardar esses dados", conclui.