Voyeurismo na web é como um esporte, diz antropólogo
- Guilherme Justino
Nas últimas semanas, fóruns no site Reddit causaram a demissão de um professor que postava fotos de alunas de minissaia, do seu principal colaborador, e um pedido de desculpas na televisão americana. Um aplicativo que busca por fotos de amigas de biquíni causou revolta ente organizações de proteção à privacidade no Reino Unido. E até no Brasil um perfil no Facebook, que divulgava imagens de "beldades nos vagões" do metrô de São Paulo, acabou mudando de proposta depois de indignar usuários - do metrô e do site.
Os flagras de decotes e saias curtas de anônimas na internet, que recentemente têm se proliferado e gerado críticas, na verdade são quase como um esporte para os adeptos da prática, avalia o antropólogo Airton Luiz Jungblut, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
De acordo com Jungblut, o troféu nessa disputa é ganhar atenção.
"Isso faz parte de todo um rol de ações possível graças à liberalidade que existe na internet. Para você existir, para ser notado, é preciso ter algum tipo de material que permita alguma exposição, atrair olhares dos outros. Esse tipo de estratégia de publicar fotos atende a essa demanda em busca de evidência", afirmou Jungblut ao Terra.
As imagens costumam ser feitas em público, sem que as vítimas suspeitem que estão sendo fotografadas. No Reddit, por exemplo, a lista, hoje encerrada, incentivava a publicação de fotos de mulheres desconhecidas sem que elas tenham conhecimento das intenções do fotógrafo - uma das regras para publicação no mural. Mulheres com roupas justas e decotadas são o principal alvo.
Apesar de reprovável, esse comportamento encontra aceitação na "terra de ninguém" que é a internet, observa Jungblut. A regra é simples: à medida em que as pessoas interessadas nesse tipo de imagem conhecem internautas com o mesmo interesse e tomam consciência de iniciativas semelhantes, são incentivados pela sensação de impunidade e liberdade proporciona pela internet e acabam se sentindo à vontade para utilizar a web de forma irresponsável.
O anonimato alimenta a ideia de que se pode agir de maneira irresponsável na web sem que haja consequências no mundo real. Por conta disso, segundo o antropólogo, internautas se sentem à vontade para fazer aquilo que não fariam offline. Assim, pessoas interessadas nesse tipo de prática encontram na internet um ambiente favorável a esse tipo de exposição.
Voyeurismo inofensivo?
Para o professor, em geral não há maldade no público que procura e produz esse tipo de conteúdo. Flagras de mulheres nas ruas seriam apenas uma parte inocente, sem grande gravidade, de todo um universo de consumo de imagens produzidas com algum grau de ilicitude - para as quais também há demanda, já que existem muitas pessoas interessadas em coisas estranhas, ilícitas, bizarras, na avaliação do antropólogo.
"Quem faz isso são adolescentes, são amadores. Há todo um outro público que troca imagens e filmes de coisas bem mais escabrosas. Isso acaba se transformando em uma espécie de esporte, uma maneira de estar em evidência nos círculos em que você transita na internet", disse Jungblut.
Apenas o interesse sexual despertado por flagrantes de anônimas não explicaria a procura por fotos como essas: "há pessoas que gostam dessa ideia de foto 'roubada', o ilícito acaba sendo um componente a mais. Além de tirar fotos dos seios ou das nádegas de uma mulher no trem, no metrô, no ônibus, você pode ver isso como algo roubado, feito sem consentimento. Esse elemento de 'furto', de 'subtração ilícita' - pelo menos moralmente - agrega a essa imagem um outro valor. Não é uma foto posada, é obtida sorrateiramente, e há um pouco de fetiche que acompanha essas fotos", afirmou Jungblut. "O componente erótico não está tanto na foto, mas na forma como ela foi obtida: há um fetiche por trás dessa foto 'roubada' que anima o imaginário do voyeurismo", concluiu.