Linguagem corporal é pseudociência?
Discussão foi recuperada por dois youtubers: o coach Vitor Santos, do Metaforando, e o humorista Tiago Santineli; entenda
Vitor Santos, youtuber do canal Metaforando, está processando o humorista Tiago Santineli no Tribunal de Justiça de São Paulo com uma ação em que ele alega o uso de sua imagem de forma monetizada e indevida.
Santineli, também criador de conteúdo, usou em um vídeo os vídeos do Metaforando – canal de análise comportamental e linguagem corporal – para afirmar que os conteúdos são uma farsa.
Santos é perito técnico em microexpressões e cria conteúdos analisando pessoas. Toda a questão começou quando Santineli gravou um conteúdo dizendo que o Metaforando é uma farsa. O fato foi exposto no Twitter na conta de Santineli e o vídeo foi retirado do ar por ordem judicial.
pra quem não sabe vitinho metaforando é um covarde. mandou intimação extrajudicial ameaçando me processar em 100 mil de indenização caso eu não retirasse o vídeo e no final do documento diz pra eu retirar o vídeo E NÃO COMENTAR EM NENHUM LUGAR QUE ELE QUE PEDIU PRA EU TIRAR!
— deus 🇦🇴 (@tiagosantineli) February 14, 2023
É uma pseudociência?
A discussão vai além dos youtubers e o questionamento se análise corporal é pseudociência já rendeu pauta para diversos estudos. A linguagem corporal é um tipo de comunicação do corpo relacionada à maneira como ele se expressa, seja por gestos, expressões faciais, olhares, posturas e outros movimentos.
Como afirma uma publicação do Governo do Estado de São Paulo, a leitura das microexpressões faciais como alegria, tristeza, raiva, desprezo, medo e nojo é uma das possibilidades de uso da neurociência na melhoria da atividade policial e na elucidação de crimes.
Mas nem sempre essas expressões têm padrões universais: em uma pesquisa realizada em 2015, o psicólogo Carlos Crivelli conseguiu demonstrar que o corpo não agiu de acordo com que estavam vendo.
Ele expôs aos habitantes da ilha de Trobriand imagens do semblante ocidental do medo, como olhos arregalados e boca aberta, e solicitou que os voluntários identificassem o que viam; os moradores, no entanto, interpretaram a fisionomia como indicação de ameaça e agressão.
Crivelli, com pesquisas adicionais, concluiu que o que entendemos como uma expressão de medo não é universal.
O diretor em exercício da Academia de Polícia do Estado de São Paulo (Acadepol), Edemur Ercílio Luchiari, explicou que essa "leitura" tem padrões específicos e no caso do uso com a polícia, por exemplo, o agente pode detectar sinais de verdade ou mentira na abordagem, entrevista, interrogatório, inquérito ou investigação criminal.
“Nos primeiros décimos de segundo após a pergunta, o ser humano responde de forma automática, ou seja, a sua fala não tem simulação”, afirmou Luchiari em uma publicação.
Funciona assim: a cada nova pergunta, o investigador ganha o mesmo tempo para avaliar a resposta do suspeito e observar as expressões faciais. Como não é possível controlá-las nesse curtíssimo período, a pessoa "deixa vazar" emoções reais contra sua própria vontade.
Segundo Luchiari, é como se a pessoa substituísse a “cara” da verdade pela “máscara” conveniente à situação, a da mentira. Por exemplo, transforma a raiva num “sorriso amarelo”.
Em uma publicação, o Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional afirma que um dos aspectos que leva as pessoas a duvidarem da base científica da comunicação não verbal (no caso, da linguagem corporal), é a questão da difusão de conhecimento por pessoas que têm uma boa oratória, mas carecem de profundidade nas suas aulas/livros e reproduzem essas ideias sem uma visão científica crítica.
Outro ponto é que não há como garantir um rigor absoluto para a mesma interpretação sobre um movimento ou expressão facial, já que um mesmo comportamento observável pode ser originado por causas diferentes. Por exemplo, alguém pode coçar o nariz:
- porque está gripado;
- porque tem rinite alérgica;
- porque está em um ambiente cheio de ácaros;
- porque está nervoso e aumentou a quantidade de um tipo de gesto conhecido como manipulador ou adaptador.
Analisar a linguagem corporal de alguém, então, requer muito estudo e paciência. E a discussão se isso é algum tipo de "ciência" parece estar longe de ter um fim.