Matemática do amor: como apps de namoro unem (ou não) futuros casais
Empresas explicam como funcionam seus apps; para especialistas, algoritmos são confiáveis, embora ainda haja alguma decepção na experiência
Em 2014, quando os aplicativos de namoro ainda eram uma novidade no Brasil, a administradora de empresas Gisele Delgado conheceu um pretendente em um app. Segundo ela, o perfil do rapaz não tinha muitas informações, então o escolheu pela foto. A conversa virtual migrou para o telefone, para encontros pessoais e hoje, nove anos depois, eles estão casados.
Você com certeza conhece muitas histórias de casais como a de Gisele e seu companheiro Rodrigo Coelho, que se conheceram em aplicativos como Tinder, Happn, Bumble e outros. Encontram-se sem muitas expectativas, mas com o tempo descobriram afinidades até se apaixonarem.
Seria essa relação obra do acaso, um encontro de almas gêmeas ou simplesmente os algorítimos agindo a favor do amor? Os aplicativos podem moldar a própria dinâmica dos relacionamentos ou a conexão do amor à primeira vista é insubstituível?
Ainda que algoritmos sejam bem eficientes em aproximar pessoas com base em interesses e outras métricas, eles ainda não são capazes de impedir completamente problemas como encontros frustrados, discriminação, racismo e assédio.
Como agem os aplicativos de namoro?
A maioria dos aplicativos de namoro ainda mantém sigilo sobre as fórmulas utilizadas para as conexões. O Tinder é o mais popular deles com estimados 75 milhões de usuários ativos mensais, segundo a plataforma Business of Apps.
Muito se falou ao longo dos anos sobre uma Pontuação Elo no Tinder, que dava uma nota interna para os perfis baseadas em sua popularidade online; isto é, nas curtidas ou rejeições recebidas no app.
Pelo menos desde 2019 que o Tinder diz não usar mais a tal Pontuação Elo e explicou, de forma vaga, como seu algoritmo age para unir pessoas. Os principais critérios hoje seriam:
- Feedback dos usuários: o app considera descrições de interesses e estilos de vida apresentados nos perfis;
- Fotos parecidas: o algoritmo "lê" as imagens mais curtidas e passa a sugerir outras com elementos semelhantes, como pessoas em espaços ao ar livre, festivais ou na praia;
- Curtidas e deslizadas para a esquerda: enquanto a curtida pode vir com deslize para a direita, o para a esquerda significa que o usuário não gostou da sugestão. Estes seriam peças-chave para o app, embora não dê mais detalhes; diz só que eles "fornecem insights sobre o que os usuários querem" e que "aperfeiçoam os matches em potencial que os membros visualizam com base em como o perfil deles e todos os perfis da área recebem curtidas ou deslizadas para a esquerda".
“Damos prioridade a usuários que são ativos no app. Não queremos desperdiçar o tempo das pessoas mostrando perfis de membros inativos. Ao usar o app regularmente, os membros veem mais perfis e dão mais Matches [nome usado pelo Tinder para quando o casal confirma que gostou um do outro]”, diz a página de ajuda da empresa.
Já o aplicativo francês Happn, que usa o modelo de proximidade por localização via GPS para sugerir encontros, afirmou ao Byte que não usa nenhum algoritmo além da inteligência artificial.
“Usamos IA para combater fraudes em tempo real e garantir a mais segura experiência aos usuários. O Happn desenvolveu sua própria tecnologia para criar a tecnologia de geolocalização e crossover, que se adapta de forma inteligente à localização do nosso usuário”, disse a empresa.
O diretor de comunicação do aplicativo Bumble na América Latina, Javier Tuiran, afirmou à reportagem que a plataforma conta com uma equipe de cientistas de dados, engenheiros de produto e equipes de marketing e atendimento ao consumidor para "inovar e tornar a jornada de namoro uma experiência positiva".
Com o algoritmo atualizado, ele explica que agora é possível ver a biografia de uma pessoa — incluindo pronomes e interesses — logo abaixo da primeira foto para ajudar a saber mais sobre uma possível correspondência desde o início.
“Isso é reforçado apenas pela capacidade de escolher entre até 160 categorias de interesses para exibir em seu perfil de namoro, além da capacidade de conectar suas contas do Instagram e do Spotify para mostrar ainda mais seu estilo pessoal”, disse o diretor do Bumble.
Matemática do amor
A matemática britânica Hanah Fry, autora do livro “A matemática do amor. Padrões, Provas e a Busca pela Equação Definitiva”, busca explicar em modelos matemáticos como funciona o romance.
Para escrever a obra, Fry compilou dados de um dos aplicativos de namoro mais popular dos Estados Unidos, o OkCupid, que foi desenvolvido por nada menos que... matemáticos!
Em entrevista à revista Veja, Hannah Fry afirmou que “a matemática é a linguagem que ordena a natureza. As emoções humanas são naturais e, portanto, seguem padrões que podem ser numerados e organizados”.
Carmelo Filho, pró-reitor de pós-graduação da Universidade de Pernambuco (UPE) e vice-presidente da SBIC (Sociedade Brasileira de Inteligência Computacional), explicou que as redes sociais tornaram possível encontrar pessoas com perspectivas similares.
Os aplicativos normalmente abrem formulários de interesses pessoais na inscrição ou obtêm informações de perfil de outras redes sociais, como valores, hobbies, estilo de vida e objetivos de relacionamento. Com isso, é possível adotar algoritmos e inteligência artificial, que identificam perfis em comum em cima destas características.
O programa pode melhorar o desempenho do usuário baseado nas suas próprias experiências no app. Para isso, usa uma tecnologia chamada de aprendizado por reforço, que aprende com o mecanismo de avaliação dos próprios usuários na plataforma e relatos sobre as experiências nos encontros.
As plataformas podem adotar ainda mecanismos de rastreamento baseados no comportamento do usuário dentro do aplicativo, como a frequência de mensagens, tipos de perfis visitados e a duração das interações.
O desenvolvimento desse modelo não é uma criação dos apps. Segundo Filho, pelo menos desde a década de 1950 há estudos nesse sentido.
“O avanço e a popularização dos algoritmos de aprendizado de máquina impulsionaram estas possibilidades e buscam oferecer potenciais parceiros que têm interesses, valores e perspectivas semelhantes”, disse o professor.
“Mas foi com os algoritmos avançados que envolvem ciência das redes que foi possível avançar com algoritmos que buscam estas correspondências, aprendendo com padrões e preferências passadas e fazer previsões sobre quais usuários têm maior probabilidade de se conectarem bem”, complementou.
O amor mudou com a era da tecnologia?
A autora do livro “Tinderellas: o amor na era digital”, Ligia Baruch, ressalta que as afinidades e os objetivos em comum facilitam os primeiros contatos, porque funcionam como uma triagem, mas “de forma alguma garantem o sucesso das relações”.
“A questão do sucesso das relações passa por maturidade emocional, autoconhecimento, histórias de vida e uma série de outras questões difíceis da gente prever e controlar”, afirma Baruch, também doutora em psicologia pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Ela ressalta que o perfil na rede social funciona como uma vitrine, onde as pessoas buscam mostrar a melhor versão. E, embora seja importante selecionar boas fotos, a paquera por aplicativos também pede uma dose de cautela.
“Muito cuidado com os exageros, com os excessos. Porque tudo que é muito exagerado transparece o seu oposto. Quanto mais perto essa persona for da pessoa real, nos encontros a chance de conexões verdadeiras aumenta”, disse.
Questões de preconceito e vieses
No entanto, há o lado ruim da experiência de conhecer alguém novo por app. Em 2018, um artigo de pesquisadores da Universidade de Cornell (EUA) apontou que plataformas que permitem que usuários filtrem pesquisas de pessoas por raça reforçam preconceitos raciais.
Muitos usuários, principalmente mulheres, sofrem com assédio nas plataformas. Em 2021, o Tinder criou uma central de segurança para combater o problema.
Tracey Breeden, chefe de comunicação e defesa social do Match Group, marca dona do Tinder, disse ao UOL que denúncias na central são revisadas mais rapidamente dependendo da gravidade do caso. "Se a denúncia for de algum tipo de assédio ou agressão, a conta é imediatamente removida a fim de ser analisada", disse.
Uma reportagem do New York Times de 2022 também apontou que muitos usuários do Tinder sofrem burnout devido ao desgaste emocional de experiências frustradas por encontros via app.
A antropóloga Larissa Pelúcio, professora de estudo de gênero, sexualidade e teorias feministas na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e autora do livro “Amor em tempos de aplicativos”, critica o paradigma mais "matemático" dos programas.
“Eu não gosto muito de trabalhar com essas fórmulas que tendem a universalizar processos que são culturalmente e historicamente marcados. A gente vive numa sociedade que há muito tempo instituiu o amor romântico como a norma dos relacionamentos, sobretudo heterossexuais”, disse. “Trabalhar com essas fórmulas matemáticas é reiterar o senso comum.”
A antropóloga comenta que há uma lógica discursiva presente no entretenimento, no romance, na publicidade e em alguns discursos do campo acadêmico que vão naturalizando as maneiras de construirmos relacionamentos. “As nossas afinidades, quando elas são orquestradas por algorítimos, também achatam a complexidade do sujeito”, afirmou.