Mercury 13, da Netflix, aborda preconceito de gênero nos primórdios da NASA
Um novo documentário da Netflix mostra 13 contos centrados em pilotos do sexo feminino que sonhavam em se tornar astronautas e tiveram esta oportunidade negada pela NASA na década de 1960. Afinal, quando se fala de exploração no espaço e os importantes passos que a humanidade deu, seja na descoberta de exoplanetas ou até mesmo quando se pisou na Lua pela primeira vez, é muito comum pensarmos em homens realizando estas tarefas.
Mas, e se quem tivesse pisado na Lua fosse uma mulher? Que tipo de salto esse "pequeno passo" representaria? Será que o público norte-americano teria acordado mais cedo para os direitos das mulheres na sociedade? São estes pensamentos e reflexões que o documentário Mercury 13 pretende explorar, ao mostrar o destino de 13 pilotos mulheres que foram impedidas de entrar no programa de treinamento espacial da NASA.
Com a largada para a exploração espacial iniciada nos anos 1960 com a Rússia, as mulheres apresentadas na produção passaram por alguns dos mesmos procedimentos que foram aplicados nos primeiros astronautas masculinos da organização, tantos os fisiológicos quanto os psicológicos. Em alguns casos, algumas das representantes do sexo feminino que participaram do processo se saíram melhores do que suas contrapartes masculinas. Todavia, os testes que deveriam avaliar a adequação para voos espaciais foram realizados com financiamento privado, sem a aprovação da NASA.
E, apesar das mulheres se prepararem para passar por mais testes, a NASA se recusou a estender o projeto, destruindo assim os sonhos destas candidatas. Apenas duas décadas depois a primeira mulher estadunidense conseguiu chegar no espaço. Diferentemente de Estrelas Além do Tempo (de 2016) - longa-metragem que conta a histórias de três mulheres negras que lutaram pelas suas aceitações na NASA -, Mercury 13 oferece um vislumbre do quão difícil foi para o gênero feminino como um todo conseguir fazer parte do segmento.
Um caso antigo que poderia ter mudado o mundo
Para Heather Walsh, que co-dirigiu Mercury 13, é importante contar às pessoas que as mulheres tiveram sua parcela de envolvimento no programa espacial. Embora já existam muitas obras que abordam esse tema, a maioria delas mostra o lado masculino da história. Ela ainda acredita que é bom mostrar esses fatos, e principalmente "mostrar que as mulheres podem não ter sido mencionadas, mas elas estavam lá, e elas ajudaram e fizeram sua parte".
As 13 mulheres cujas histórias são mostradas em Mercury 13 batalharam legalmente perante o Congresso em 1962, argumentando terem sofrido discriminação sexual, já que foram impedidas de realizar os testes espaciais e o treinamento completo. Na época, o caso até chamou a atenção do público norte-americano, mas o presidente Johnson rejeitou a causa. No ano seguinte, a Rússia, por sua vez, enviou a primeira mulher ao espaço, Valentina Tereshkova, vencendo uma batalha com base em propaganda.
Walsh acredita que, se o caso tivesse sido ganho na época, teriam havido implicações maiores para as 13 mulheres: o cenário hoje poderia ser diferente e talvez até já tivesse ocorrido de uma mulher ser presidente dos Estados Unidos. "Ser um astronauta naquela época era o auge", comenta, "o mundo inteiro estava assistindo". Se a primeira pessoa que chegou à Lua tivesse sido uma mulher, as coisas teriam mudado e não haveria mais estranheza sobre o que as mulheres podem ou não fazer, segundo Walsh.
Potencial abertamente ignorado e desperdiçado
Os testes de prontidão espacial foram conduzidos pelo Dr. William Randy Lovelace, que havia sido designado para ajudar a desenvolver os exames físicos utilizados para selecionar o primeiro time de astronautas que encabeçariam o programa de treinamento da NASA - intitulado Projeto Mercury, cujo objetivo era realizar o primeiro voo tripulado da América.
Lovelace era amigo íntimo de Jacqueline Cochran, que se destacou na década de 1930 por suas habilidades como piloto. Cochran até mesmo havia alcançado um recorde nacional de velocidade entre as mulheres que pilotavam na época, e se envolveu na criação da Força Aérea para Mulheres, que realizaram missões de voo sem combate durante a Segunda Guerra Mundial. Tanto Lovelace quanto Cochran achavam que as mulheres eram capazes de realizar grandes feitos no espaço, e, fora da NASA, Lovelace iniciou um programa de exames particulares, conduzindo em mulheres os mesmos testes que havia feito em homens.
Mais tarde, Jerrie Cobb foi a primeira mulher a passar por testes espaciais, e prontamente encarou uma resistência vinda da mídia. Na produção da Netflix, há até mesmo um clipe de uma entrevista de Cobb no início da década de 1960 que ilustra particularmente a oposição que as mulheres enfrentaram nesse meio. Na ocasião, a candidata argumentou que havia uma necessidade de mulheres também estarem no espaço, uma vez que tanto o público masculino quanto o feminino possuem habilidades específicas e, portanto, os dois lados deveriam ser usados. "As mulheres deveriam ter tido a oportunidade de tentar", declarou.
Para a produção do Mercury 13, inclusive, foram entrevistadas outras mulheres que participaram dos testes, e até mesmo Hillary Clinton foi cogitada para a produção, já que a ex-candidata à presidência dos Estados Unidos já compartilhou uma história sobre a NASA outrora. Essa menção envolve uma carta que Clinton teria escrito em sua adolescência para a agência espacial, em que ela perguntava se poderia fazer parte do time de astronautas. A resposta, obviamente, foi negativa.