Jornalista pioneiro de tec, Ethevaldo Siqueira já cobriu até missão à Lua
Ethevaldo Siqueira foi o primeiro jornalista especializado em tecnologia do país, tendo feito grandes reportagens internacionais
O jornalista Ethevaldo Siqueira morreu na noite de domingo (16), em São Paulo, aos 90 anos. Ele estava internado no hospital Oswaldo Cruz, para tratamento de leucemia. Nascido em Montes Claros (SP), sua história se confunde com a própria história do jornalismo de ciência e tecnologia no Brasil.
Ele começou a trabalhar no jornal O Estado de S. Paulo em 1967, mesmo ano em que ingressou na primeira turma de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP).
Gostava de lembrar que a sua primeira reportagem tratou da criação do Ministério das Comunicações, em Brasília, em março daquele ano, quando entrevistou o então ministro Carlos Simas. Seu editor na época, Clóvis Rossi, sugeriu que ele se especializasse no tema, pois esse negócio de telecomunicações “tinha futuro”. “Nunca um repórter seguiu tão à risca uma recomendação do editor”, brincava.
Antes dele, não havia jornalistas especializados na área. Ele ajudou a formar e apoiou a trajetória de gerações de profissionais do jornalismo, tanto como professor da ECA/USP quanto nas redações em que atuou, com destaque para o Estadão e para a Revista Nacional de Telecomunicações (RNT), que fundou em 1979.
Corrida espacial
Além de cobrir as telecomunicações e a tecnologia da informação, Ethevaldo cobriu o projeto Apollo, a partir de 1968.
Para se preparar para a cobertura, o jornalista participou de um curso sobre o sistema solar oferecido pela Nasa, agência espacial dos Estados Unidos. O responsável pelo curso era ninguém menos que o astrônomo Carl Sagan, que depois viria a ser conhecido pela série Cosmos.
Ethevaldo chegou a escrever que, dentre as pessoas que teve oportunidade de conhecer durante a sua carreira de jornalista, Carl Sagan foi quem mais o impressionou: “Nunca vi ninguém mais apaixonado pela ciência, pela vida e pelo universo”.
Em julho de 1969, ele acompanhou em Houston a chegada do homem à Lua, na missão Apollo 11. Ethevaldo acompanhou outras missões como as dos ônibus espaciais Space Shuttle, das sondas Pioneer, Voyager e Viking e do Telescópio Espacial Hubble.
Foi o único jornalista brasileiro a cobrir também o programa espacial soviético, tendo feito várias viagens a Moscou, Leningrado (atual São Petersburgo) e Baikonur, no Cazaquistão, de onde eram feitos os lançamentos pela União Soviética.
Testemunha da história
Ethevaldo testemunhou grandes acontecimentos da história da tecnologia em mais de meio século de atuação. Escreveu sobre o sucesso das diversas gerações das comunicações móveis em viagens aos Estados Unidos, Suécia, Coreia do Sul e Japão. Ele assistiu à entrevista coletiva da Sony e da Philips para o lançamento do Compact Disc (CD) no começo da década de 1980.
Em janeiro de 2017, foi homenageado em Las Vegas por ter sido o único jornalista internacional a cobrir 47 edições consecutivas da CES, maior evento sobre tecnologia e eletrônicos de consumo do mundo.
Na década de 1990, atuou ativamente na defesa da privatização do Sistema Telebrás, à época monopolista estatal das telecomunicações no Brasil. Em seu livro Telecomunicações: um monopólio contra o Brasil (1995), destacou que, depois de mais de 20 anos de existência da Telebrás, o Brasil tinha apenas 8,3 linhas telefônicas por 100 habitantes, e ficava em décimo lugar na América Latina e em 43º no mundo.
O monopólio foi quebrado, e o Sistema Telebrás, privatizado em 1998. Atualmente, o país tem 261 milhões de telefones móveis, para uma população de 215 milhões. Em 1995, o telefone estava presente em apenas uma em cada cinco residências urbanas brasileiras, em 2% das propriedades rurais e 53% das empresas.
Uma vida dedicada à tecnologia e ao jornalismo
Ethevaldo gostava dizer que as comunicações talvez estivessem programadas em seu DNA. Sua mãe, Mercedes, era professora e telegrafista. “Quando eu tinha nove anos, ela me ensinou o código Morse, por meio do qual, assobiando, eu lhe pedia um pouco mais de goiabada ou arroz doce, sem que meus irmãos entendessem”, escreveu o jornalista, em um de seus livros.
Sua ligação com o jornalismo, e com o Estadão em particular, é ainda anterior ao seu nascimento. Foi a partir de um anúncio publicado pelo jornal em 12 de agosto de 1930 que seu pai, Bento Siqueira, conheceu sua mãe.
Viúvo e com quatro filhos menores, o cafeicultor buscava um casal que pudesse cuidar de sua casa e das crianças, na fazenda. “O casal que respondeu ao anúncio (Firmino e Balbina de Mello) viajou para a fazenda em companhia da filha, Mercedes, de 20 anos. Meu pai se apaixonou pela moça e com ela se casou. Dois anos depois, em plena Revolução Paulista, nasceu o menino Ethevaldo, que sou eu, primeiro filho do segundo casamento de Bento Siqueira”, relembrou em texto para o jornal.
Ethevaldo publicou treze livros sobre tecnologia. Violinista, também era apaixonado por música. Nos últimos anos, acompanhava grandes concertos internacionais pela internet.
Ganhou o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, do CNPq (1985), duas edições do Prêmio Esso de Jornalismo (1968 e 1978) e o Prêmio Comunique-se (2007), na categoria Jornalista de Tecnologia.
Em sua carreira, abriu as portas do jornalismo de tecnologia para muitos jovens profissionais, e estava sempre pronto a apoiá-los no desenvolvimento da profissão.
Em seu pioneirismo, conectou o país com o que havia de mais novo na tecnologia em várias partes do mundo. E, de sua posição de destaque no jornalismo, conseguiu ajudar a mudar o panorama das telecomunicações brasileiras, o que tornou acessível um serviço essencial.