Nas eleições, editores da Wikipedia vivem em meio a "guerra narrativa"
Somente o artigo do ex-presidente Lula foi editado 60 vezes em 90 dias; editoras buscam pluralidade na plataforma
Durante as eleições, a Wikipédia se torna um verdadeiro campo de batalha. De um lado estão os candidatos e suas campanhas, em busca de narrativas que beneficiem seus projetos a partir do que está escrito nos artigos da “enciclopédia livre”. Do outro, os editores voluntários que buscam proteger a plataforma. Neste ano, isso se repete.
De acordo com informações da própria Wikipédia, compartilhadas pelo editor Rodrigo Padula, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu mais de 60 edições nos últimos três meses, sendo o mais editado. Simonte Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) surgem logo em seguida, com 27 edições em cada uma das páginas. Jair Bolsonaro (PL) ficou com 15.
“Alguns artigos têm sido alvo de maior debate e edições, acompanhando a polarização”, diz Padula. “Durante as sabatinas, entrevistas e debates, a movimentação é sempre muito grande na Wikipédia com centenas de milhares de acessos diários nos verbetes dos principais candidatos. Nossa comunidade tem acompanhado as edições mantendo a pluralidade de referências, conteúdos e pontos de vista, bem como protegendo os artigos”.
Nos bastidores, os editores trabalham para evitar desinformação ou informações enviesadas. Eles se organizam para entender se um veículo de mídia é confiável, por exemplo, ou se alguma informação segue os pilares da Wikipédia. “A gente gosta de falar em pluralidade ao invés de imparcialidade”, diz. “Todas as decisões passam por consenso”.
Nos últimos tempos, as referências bibliográficas se tornaram ponto de discussão. A Wikipédia inseriu dois blogs como não confiáveis e, por isso, os próprios editores foram atacados pelos veículos.
Rodrigo Padula foi insistentemente atacado por um dos sites, que o acusa de ser parcial. “A pluralidade é algo muito importante, mas não é por isso que devemos aceitar fontes enviesadas ou colunas de opinião, por exemplo”, comenta.
Como é a edição livre da Wikipédia
Seguindo sua proposta inicial, a Wikipédia é livre — ou seja, qualquer um pode editar artigos, precisando apenas de um registro válido de usuário. É aí que surge o trabalho de voluntários como Rodrigo Padula. Ele é credenciado pela plataforma para conferir edições e, com isso, compreender se as mudanças em qualquer artigo são realmente confiáveis.
Isso passa pela verificação de informações, se dados são tendenciosos, se há o desejo de atacar a reputação daquela pessoa gratuitamente e, principalmente, se aquelas informações ali encontradas são amparadas por fontes confiáveis, verificáveis e profissionais. Isso passa também, é claro, por uma visão pessoal desses editores.
“Tento sempre manter o ponto de vista neutro nos textos dos artigos. Evidentemente um editor pode ter um ponto de vista. Mas esse ponto de vista não pode ser o seu norte na inclusão de textos nos artigos. A Wikipédia, dentro do possível, deve manter uma atitude de neutralidade”, explica o editor Ricardo Ferreira de Oliveira, em entrevista por e-mail.
Enquanto isso, editores lidam com essa montanha de informações que, no final do dia, influenciam o eleitor. Em 2018, após eleição de Jair Bolsonaro, edições de usuários comuns travaram um verdadeiro duelo entre apoiadores e detratores. Em uma das edições, já removidas, dizia que sua eleição era um “sinal sombrio de retorno aos anos 1930 de Hitler”.
Os editores, enquanto isso, precisam agir rápido, já que os perfis dos candidatos passam por uma explosão de acessos no período eleitoral — números, aliás, que podem se tornar termômetros para campanhas. “O próprio público que chega no Wikipédia já reporta erros. A tendência é que, naturalmente, as informações falsas sejam removidas rapidamente”, diz.
Wikipédia seguirá como canal de informação política?
De olho nesse cenário conturbado, especialistas ouvidos por Byte se dividem quanto ao papel político da plataforma a médio e longo prazo.
Angelo Sebastião Zanini, coordenador do curso de ciência da computação do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), acredita que o cenário é e continuará sendo positivo para a Wikipédia.
“Tudo que vem de uma construção coletiva, com influências simultâneas, tende a se equilibrar no meio desde que haja uma curadoria. É a sociedade que constrói o registro de suas próprias informações. É um bom caminho”, diz Zanini. “Acredito que, no futuro, essa filosofia pode ser usada em outras mídias, de redes sociais ou metaverso.”
Já Roberto Gondo, professor de jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em comunicação política, acredita que a influência da Wikipédia deve ser vista com moderação e não vê tanta força na ferramenta.
“Em partes, apesar de ter um processo de monitoramento, ainda é editável. Isso deixa a Wikipédia como uma fonte frágil”, explica o especialista. “Informação sempre será a base das redes de dados, porém novos canais de informação surgirão, deixando o modelo Wikipédia com menor influência e representatividade do que dez anos atrás.”