Novo estudo desfaz teoria clássica sobre o surgimento da espécie humana
Diversidade genética ocorrida na África pode ter ajudado a manter a raça humana após os neandertais
Cientistas revelaram uma nova origem surpreendentemente complexa para o surgimento da nossa espécie. Os resultados foram publicados nesta quarta-feira (17) na revista Nature.
Ao analisar os genomas de 290 pessoas, os pesquisadores concluíram que os humanos modernos descendem de pelo menos duas populações que coexistiram na África por um milhão de anos antes de se fundirem em vários grupos independentes em todo o continente.
"Não existe um local de nascimento único”, disse Eleanor Scerri, arqueóloga evolutiva do Instituto Max Planck de Geoarqueologia em Jena, na Alemanha, ao jornal The New York Times.
África: o berço da Humanidade
Paleoantropólogos e geneticistas encontraram evidências que apontam para a África como o local de origem de nossa espécie. Os fósseis mais antigos que podem pertencer aos humanos modernos, datando de 300 mil anos, foram desenterrados lá, além das ferramentas de pedra mais antigas usadas por nossos ancestrais. O DNA humano também aponta para a África.
Os africanos vivos têm uma grande diversidade genética em comparação com outras pessoas. Isso porque os humanos viveram e evoluíram no continente por milhares de gerações antes que pequenos grupos – com grupos genéticos comparativamente pequenos – começassem a se expandir para outros pontos do globo.
Dentro da vasta extensão da África, os pesquisadores propuseram vários lugares como o local de nascimento de nossa espécie. Os primeiros fósseis humanóides na Etiópia levaram alguns pesquisadores a olhar para a África Oriental.
Mas, alguns grupos vivos de pessoas na África do Sul pareciam ser parentes muito distantes de outros africanos, sugerindo que os humanos podem ter uma história naquela região.
O que diz o estudo
Brenna Henn, geneticista da Universidade da Califórnia em Davis (EUA), e seus colegas desenvolveram um software para executar simulações em larga escala da história humana.
Os pesquisadores criaram muitos cenários de diferentes populações existentes na África em diferentes períodos de tempo e depois observaram quais poderiam produzir a diversidade de DNA encontrada nas pessoas vivas hoje.
“Poderíamos perguntar que tipos de modelos são realmente plausíveis para o continente africano”, disse Henn ao New York Times.
Os pesquisadores analisaram o DNA de vários grupos africanos, incluindo os Mende, agricultores que vivem em Serra Leoa, na África Ocidental; os Gumuz, um grupo descendente de caçadores-coletores da Etiópia; os Amhara, um grupo de agricultores etíopes; e os Nama, um grupo de caçadores-coletores da África do Sul.
Os pesquisadores compararam o DNA desses africanos com o genoma de uma pessoa da Grã-Bretanha. Eles também analisaram o genoma de um Neandertal de 50 mil anos encontrado na Croácia.
Pesquisas anteriores descobriram que os humanos modernos e os neandertais compartilhavam um ancestral comum que viveu há 600 mil anos. Os neandertais se expandiram pela Europa e Ásia, cruzaram com humanos modernos vindos da África e foram extintos há cerca de 40 mil anos.
Os pesquisadores concluíram que já há um milhão de anos, os ancestrais de nossa espécie existiam em duas populações distintas. Henn e seus colegas os chamam de Stem1 e Stem2.
Os cientistas concluíram que as pessoas se mudaram entre Stem1 e Stem2, formando pares para ter filhos e misturando seu DNA. O estudo não revela onde as pessoas Stem1 e Stem2 viveram na África. E é possível que bandos desses dois grupos tenham se movimentado bastante ao longo dos vastos períodos de tempo em que existiram no continente.
Condições geográficas podem ter influenciado origens humanas
Cerca de 120 mil anos atrás, indica o estudo, a história africana mudou dramaticamente. Na África Austral, os povos de Stem1 e Stem2 se fundiram, dando origem a uma nova linhagem que daria origem aos Nama e a outros humanos vivos daquela região.
Em outras partes da África, ocorreu uma fusão separada dos grupos Stem1 e Stem2. Essa fusão produziu uma linhagem que daria origem a pessoas vivas na África Ocidental e na África Oriental, bem como as pessoas que se expandiram para fora do continente.
É possível que as convulsões climáticas tenham forçado as pessoas Stem1 e Stem2 a viverem nas mesmas regiões, levando-as a se fundirem em grupos únicos. Alguns bandos de caçadores-coletores podem ter tido que se retirar da costa quando o nível do mar subiu, por exemplo.
Algumas regiões da África tornaram-se áridas, potencialmente enviando pessoas em busca de novos lares. Mesmo após essas fusões há 120 mil anos, as pessoas com ancestralidade exclusivamente Stem1 ou exclusivamente Stem2 parecem ter sobrevivido.
O DNA do povo Mende mostrou que seus ancestrais se cruzaram com o povo Stem2 há apenas 25 mil anos. “Isso me sugere que o Stem2 estava em algum lugar próximo à África Ocidental”, disse Henn.
Agora os cientistas estão adicionando mais genomas de pessoas em outras partes da África para ver se eles afetam os modelos já coletados. É possível que eles descubram outras populações que sobreviveram na região por centenas de milhares de anos, ajudando a produzir nossa espécie como a conhecemos hoje.
Scerri comentou que viver em uma rede de populações misturadas em toda a África pode ter permitido que os humanos modernos sobrevivessem enquanto os neandertais foram extintos.
Nesse arranjo, nossos ancestrais poderiam manter mais diversidade genética, o que, por sua vez, poderia tê-los ajudado a suportar mudanças no clima ou até mesmo desenvolver novas adaptações. “Essa diversidade na raiz de nossa espécie pode ter sido a chave para nosso sucesso”, disse a arqueóloga.