O que é a internet das coisas e como ela mudará a sua vida
Nos primeiros dias de 2015, o mundo registrou 25 bilhões de dispositivos conectados à internet. Tema quente da maior feira de tecnologia do mundo, a CES 2015, a internet das coisas veio para ficar
Imagine a seguinte situação. Você chega em casa cansado depois de um longo dia de trabalho. Desatento, esquece a chave de casa no carro, mas logo que chega à porta de entrada, com um comando no smartwatch, abre a fechadura. As luzes se acendem sozinhas e iluminam a sala com cores suaves e relaxantes, muito diferentes do branco frio da luz do escritório. A temperatura ambiente está igual a que estava no carro. Uma música deconhecida começa a tocar e você logo percebe que é uma nova canção - muito boa, por sinal - do seu artista preferido.
Você então ruma para a cozinha e a música te acompanha pela casa. Ao chegar lá, lembra que tomou a última garrafa daquela cerveja que você adora no dia anterior. Mas também lembra que o seu relógio avisou, durante o dia, que um pacote chegou e está disponível na porta de trás do apartamento. Você abre a porta e descobre que uma caixa da cerveja especial está ali - basta colocá-la na geladeira e, depois do banho, ela estará na temperatura certa.
A promessa de um dia como este, em que a sua casa entende o dia puxado que você teve e se prepara para te receber da melhor forma possível, não é nova. Mas ela nunca esteve tão próxima de se tornar realidade quanto em 2015, com o boom da chamada internet das coisas. Na maior feira de eletrônicos do mundo, a CES 2015, que termina nesta sexta-feira em Las Vegas, nos Estados Unidos, este é o assunto do momento.
Pela primeira vez, a feira teve uma área de mais de 230 metros quadrados dedicada exclusivamente aos sensores conectados à internet, que criam o insumo mais básico da internet das coisas: dados. Outros espaços tratam do tema de forma indireta, como o dedicado às casas inteligentes, aos carros inteligentes e aos ‘wearables’, ou dispositivos vestíveis. Por toda a feira, o assunto parece permear as conversas.
“Quando interligamos os objetos que nos rodeiam, tudo muda”, diz Rafael Steinhauser, vice-presidente sênior da Qualcomm para a América Latina. A empresa é fabricante de muitos dos chips que viabilizam a conexão entre os dispositivos que fazem a internet das coisas, como smartphones, smartwatches e lâmpadas, por exemplo. “Tudo fica mais inteligente, eficiente e controlável”, diz Steinhauser.
As coisas da internet das coisas, e como elas funcionam
Para que uma casa receba seu morador como no roteiro descrito acima, não são poucas as coisas, ou dispositivos eletrônicos, que precisam conversar entre si usando a internet ou redes parecidas com a internet. O smartphone ou o smartwatch com GPS, por exemplo, precisa avisar a casa que você saiu do trabalho e, com base em um banco de dados com seus horários, entender que o dia foi mais longo que o de costume.
A fechadura da porta precisa estar conectada à internet para que você consiga abrí-la com o smartwatch. O carro deve enviar a temperatura ambiente de dentro do veículo para que o sistema de ar-condicionado de casa possa reproduzí-la no apartamento.
O sistema de som da casa deve conhecer os seus gostos musicais e acompanhar as suas andanças pelo imóvel rastreando o smartwatch no seu pulso. A geladeira precisa identificar que a cerveja acabou e autorizar a compra de mais uma caixa de bebida para ser entregue no mesmo dia. “Todos os objetos precisam conversar entre si”, diz Steinhauser. “A Qualcomm criou um protocolo único para facilitar esse diálogo e ele já foi adotado por mais de 100 empresas, sendo a Sony a última delas”, explica. O que já faz da internet das coisas uma realidade bastante palpável, embora restrita a alguns círculos.
Aplicações infinitas
O mesmo protocolo que pode vir a permitir que seu carro converse com o ar-condicionado de sua casa pode funcionar com uma gama gigantesca de sensores e dispositivos eletrônicos nos mais diferentes aparelhos, que, dialogando entre si, têm potencial para criar uma biblioteca de serviços infinita. No ramo da saúde, por exemplo, isso já está acontecendo.
Já há caixas de comprimidos que sabem se você tomou ou não o medicamento do dia e que notificam uma central para te avisar da urgência dessa medida, seja por meio de um aviso sonoro no sistema de áudio do ambiente em que você está, uma mensagem de texto no smartphone, smartwatch ou televisão ou até com o piscar das luzes de casa. Há também um medidor de pressão e oximetria que, conectado à internet, envia esses dados para um software que pode remetê-los ao seu médico e, se for o caso, até chamar uma ambulância.
No segmento de dispositivos domésticos, a internet das coisas também caminha a passos largos. Embora não seja novidade, a LG reforçou, na CES 2015, que praticamente toda a sua nova linha de aparelhos domésticos - que incluem máquinas de lavar roupa, fogões, geladeiras e aspiradores de pó robóticos - pode ser controlada por comandos dados a partir de smartphones e smartwatches. O que é novo, agora em 2015, é a proposta de que esses comandos sejam dados de forma automática, sem que o dono da casa tenha de se lembrar de fazê-los. Basta configurar um sistema de gerenciamento da casa, que centraliza todas as decisões a partir dos dados que recebe.
“A internet das coisas tem potencial para transformar nossa sociedade, economia e como vivemos nossas vidas”, resumiu BK Yoon, presidente e CEO da Samsung Electronics durante discurso de abertura da CES 2015. Tamanho é o poder da internet das coisas que até ferozes concorrentes, como a LG e a Samsung - ambas empresas que usam, pesadamente, chips da Qualcomm -, pensam parecido na hora de defender a internet das coisas e assim garantir um espaço neste novo e bilionário mercado.
Privacidade e outras questões
Mas nem tudo são rosas na integração milagrosa prometida pela internet das coisas. Não são poucos os que vêm mostrando preocupação com a proteção do dilúvio de informações pessoais que passará a circular pela rede quando a internet das coisas se popularizar. Os horários que você entra e sai do trabalho, os códigos para abrir a porta de sua casa, a marca de sua cerveja preferida e quantas garrafas você tem tomado dela por dia, quanta água você tem desperdiçado com banhos de banheira durante a seca: tudo estará, mesmo que criptografado, disponível na web.
Embora, de maneira geral, com tom otimista, um estudo de 2014 da Pew Research Center intitulado “A vida digital em 2025” traz à luz alguns problemas que podem surgir com a internet das coisas. “Será uma corrida entre os que têm boas intenções (para o uso da informação gerada pela internet das coisas) e os que têm más intenções”, disse Maurice Vergeer, um pesquisador em comunicação da Radboud University, na Holanda, aos profissionai da Pew. “As vidas das pessoas está cada vez mais informatizada e a informação sobre suas vidas cada vez mais disponível para uma ampla gama de governos e empresas (...) Encontrar novas maneiras de explorar essa informação para controlar o comportamento do cidadão e do consumidor será um objetivo de governos e empresas”, disse uma fonte anônima do estudo.
Estima-se que, já no começo de 2015, 25 bilhões de dispositivos eletrônicos estarão conectados à internet, segundo números da CESWEB.org. O movimento no sentido de adoção maciça da internet das coisas já parece impossível de conter. Se isso é bom ou ruim, o tempo dirá.
* O jornalista viajou a convite da Qualcomm