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O que está por trás do reconhecimento facial em aeroportos brasileiros

Tecnologia que promete acelerar o embarque pode levantar dúvidas sobre o uso dos dados biométricos e a precisão do reconhecimento facial

12 ago 2022 - 05h00
(atualizado às 09h12)
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Ministro vistoria embarque por biometria no aeroporto de Congonhas
Ministro vistoria embarque por biometria no aeroporto de Congonhas
Foto: Ministério da Infraestrutura

Passageiros que embarcam em voos domésticos saindo dos aeroportos de Congonhas (em São Paulo) ou Santos Dumont (no Rio de Janeiro) desde a terça-feira (9) podem optar pela biometria facial na hora de embarcar. Sem a necessidade de apresentar cartão de embarque e documento de identificação, a expectativa é que as filas e tempo de embarque diminuam.

A implementação dessa tecnologia nos aeroportos faz parte do sistema Embarque + Seguro, do Ministério da Infraestrutura em parceria com o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), que desenvolveu a solução biométrica. A iniciativa, que está de acordo com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), pretende também evitar fraudes no embarque.

Ainda assim, é possível que existam preocupações com relação ao uso desses dados. Uma delas é de que, futuramente, eles possam ser usados para outra finalidade além do check-in e embarque.

Como funciona

As companhias aéreas podem adotar procedimentos próprios para o cadastramento biométrico dos passageiros. Na Gol, por exemplo, o cliente precisa baixar o aplicativo da empresa, onde realizará a captura da foto. Esta é validada por meio da comparação com imagens do banco de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ou da CNH digital — por isso, é necessário que o cliente já tenha cadastro biométrico em um desses sistemas.

Chegando ao aeroporto, com a foto validada e cartão de embarque digital liberado, é preciso procurar os totens de biometria facial. O viajante passará por eles ao acessar a sala de embarque e, depois, no portão para a aeronave. Para cada novo embarque, será solicitado um novo consentimento de uso de dados. O procedimento de biometria não é obrigatório; será possível optar entre o reconhecimento facial e o processo tradicional de check-in e embarque.

Atualmente, estão sendo implantados 12 portões e dez catracas com biometria no aeroporto de Congonhas, além de oito portões e cinco catracas no Santos Dumont. Segundo o Serpro, o projeto deve ser expandido para outros aeroportos da Infraero e “criar uma tendência a ser seguida por concessionários e operadores privados”.

De acordo com Luciano Cunha, gestor de soluções digitais de infraestrutura do Serpro, os próximos passos são expandir a tecnologia para os demais aeroportos, acrescentar mais bases biométricas, atuar nos embarques internacionais, incluir a participação de estrangeiros e, também, de menores de 18 anos (em alinhamento feito com a LGPD), que atualmente não podem ter seus dados coletados.

Passageiros realizam autoatendimento no terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos
Passageiros realizam autoatendimento no terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

Novos e inesperados usos da biometria

“O receio que pode haver é dessa extrapolação, de começar como uma estratégia de embarque seguro e de, posteriormente, os dados biométricos terem uma segunda utilização [como soluções de mercado usados nos aeroportos]”, diz Rafael Zanatta, diretor da associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, ressaltando que esse tipo de uso não está previsto no projeto em vigor.

“É preciso haver confiança social de que [os dados] serão usados estritamente para essa atividade. Não pode haver uma mudança do ministério posteriormente”, diz Zanatta, que defende a realização de auditorias para garantir que não haja uso secundário das informações biométricas.

Consideradas como dados pessoais sensíveis, as informações biométricas requerem ainda mais cautela do que os dados pessoais no momento de seu tratamento, segundo Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital.

Para ela, as companhias aéreas devem tomar medidas como transparência a respeito da finalidade e necessidade dos dados coletados, além de ações adicionais de segurança, para evitar a exposição dos dados. “É preciso estar preparado para demonstrar à ANPD [Autoridade Nacional de Proteção de Dados], a qualquer momento, que o tratamento de dados sensíveis é justificado e segue as premissas da lei”, diz.

Especialistas alertam para riscos para negros na tecnologia de reconhecimento facial dos aeroportos
Especialistas alertam para riscos para negros na tecnologia de reconhecimento facial dos aeroportos
Foto: Andrea Piacquadio / Pexels

Cuidados com possível racismo

Outra possível preocupação para os passageiros diz respeito à precisão do reconhecimento facial, uma vez que já foram relatadas situações em que pessoas negras não foram reconhecidas pelos algoritmos. No entanto, não há evidências de que isso esteja acontecendo com o sistema que começou a ser usado nos aeroportos brasileiros. “O treinamento de aprendizado de máquina foi feito com ajuste fino a partir da população brasileira, que é etnicamente diversa. Os testes foram realizados em diferentes estados”, diz Zanatta.

Ainda assim, se houver discriminação étnica relativa ao procedimento de reconhecimento facial, é possível que seja acionada a ANPD ou mesmo o Poder Judiciário. Segundo o Serpro, a acurácia do sistema utilizado é de 99,9%, sem distinção de etnias.

A implantação definitiva do sistema acontece após um período de testes do projeto-piloto, que teve início em outubro de 2020 e se encerrou em janeiro de 2022. Foram mais de 6,2 mil passageiros participando de testes em sete aeroportos brasileiros. 

As leis para evitar abusos na biometria

Para Renato Opice Blum, professor de direito digital da FAAP e do Insper, há uma estrutura jurídica robusta para evitar que aconteçam problemas, incluindo a LGPD e as regras da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). “Tudo isso que traz preocupação não deve ocorrer: uso indevido de dados, vazamentos ou discriminações”, diz.

Segundo o professor, esses sistemas costumam ter bancos de dados segregados, específicos para cada situação — neste caso, o embarque. “O que pode haver é erro de software ou invasão, que são as exceções”, diz Blum, que considera a identificação facial uma “tendência quase irreversível”.

Já em uso em aeroportos internacionais, como alguns nos Estados Unidos e no Japão, a tecnologia do reconhecimento facial deve seguir os protocolos de segurança e de proteção de dados referentes à legislação de cada país.

Fonte: Redação Byte
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