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O sistema imune humano evoluiu com a Peste Negra, e ainda sentimos seus efeitos

Analisando túmulos de mortos na época da Peste Negra, cientistas descobriram que quem sobreviveu tinha genes aptos para isso, mas que também trouxeram problemas

20 out 2022 - 15h04
(atualizado às 17h31)
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Cientistas descobriram como a Peste Negra, pandemia de peste bubônica que devastou grande parte do planeta no século XIV, modificou o DNA humano — para o bem e para o mal —, influenciando a resistência e propensão a patógenos até os dias de hoje. As adaptações pelas quais o sistema imune passou continuaram a evoluir, o que é uma boa notícia para nós, de certa forma, porque o patógeno responsável pela praga ainda está por aí.

Pandemias como essa podem ter efeitos negativos inesperados, inclusive a longo prazo, mostra o estudo, publicado na revista Nature. A Peste Negra foi um dos eventos mais mortais da história, matando dezenas ou até centenas de milhões de pessoas na África, Ásia e Europa, tendo seu ápice em meados do século 1300. A bactéria em questão, que viajava pelas pulgas dos ratos, era a Yersinia pestis, e podia matar em até menos de um dia após a infecção.

Foto: S. Tzortzis/CDC/Domínio Público / Canaltech

Pressão evolutiva e a Peste Negra

A pressão para a seleção natural, foi muito grande para os humanos. Um exemplo recente é o da malária: pessoas com anemia falciforme têm um distúrbio genético que, por acaso, as torna muito mais resistentes à malária do que o normal. Como sobrevivem mais, possuem mais chances de deixar descendentes (que podem apresentar a mesma doença) em locais onde há alta incidência de malária, gerando populações com altas taxas de anemia falciforme.

Os cientistas foram, então, atrás dos genes que beneficiaram os sobreviventes da pandemia de peste bubônica do século XIV, que matou de 30% a 50% da população da época. Encontrar resTtos mortais para o estudo não foi difícil, já que há muitas valas comuns com muitos mortos pela doença, dada a quantidade massiva deles. A janela considerada foi de 100 anos antes, durante e depois da Peste Negra.

Foram obtidas 500 amostras de pessoas que morreram em Londres, no Reino Unido, e na Dinamarca, dividas em 3 grupos: pessoas que morreram antes da praga, pessoas que morreram durante a pandemia e pessoas que sobreviveram e morreram mais tarde, de outras causas. Foi possível identificar 4 genes associados à peste bubônica, selecionados numa velocidade nunca antes vista na história da humanidade — e nem depois, vale ressaltar.

Os genes em questão produzem proteínas que ajudam o corpo humano a se proteger de patógenos invasores: pessoas com um ou mais deles tinham mais chances de sobreviver à peste. Para confirmar o achado, foram cultivadas culturas celulares que tinham o perfil genético identificado, posteriormente infectadas com a Y. pestis. Novamente, os genes mostraram uma resistência maior à bactéria mortal.

Vantagens e desvantagens genéticas

Pessoas com duas cópias idênticas do gene ERAP2, em especial, tinham de 40% a 50% mais chances de sobreviver à peste do que indivíduos com cópias opostas, que davam maior suscetibilidade à bactéria, aparentemente. Essa vantagem seletiva, uma das mais fortes já reportadas em humanos, mostram como uma só doença pode ter um impacto profundo na evolução do nosso sistema imune.

Ao longo dos séculos, a peste foi ficando menos devastadora, deixado que a espécie humana seguisse suas atividades no planeta. O problema é que algumas das variantes genéticas associadas aos responsáveis por nos deixar mais resistentes à Y. pestis são associados, hoje, à suscetibilidade a doenças autoimunes, como artrite reumatoide e Doença de Crohn.

Segundo os cientistas, isso foi provavelmente inevitável, já que a peste foi a pressão evolutiva mais pesada dos anos 1340, semelhante à situação entre a malária e a anemia falciforme. Temos, agora, evidências da associação entre a adaptação a um patógeno mortal de centenas de anos e risco de doenças autoimunes.

Pandemias acabam tendo efeitos secundários estranhos e indesejados muito além do que imaginamos. Nos faz perguntar quais consequências os sobreviventes da pandemia de covid-19 terão de enfrentar no futuro, não é?

Fonte: Nature

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