Por que vídeos de estourar espinhas fazem tanto sucesso?
Cravos, espinhas, ceras e caspa rendem vídeos populares nas redes sociais. Desativação de área do cérebro leva à satisfação com o tema
Não é difícil que um vídeo de alguém espremendo cravos e espinhas, desencravando unhas ou retirando quantidades absurdas de cera do ouvido de alguém tenha passado na sua rede social preferida. Você pode ter ignorado ou terminou de ver só para saber como a situação foi resolvida. E depois ter visto outro, e mais outro.
Essa é uma tendência cada vez mais forte na internet: o canal da “Estouradora de Espinhas” Sandra Lee, no YouTube, tem 7,5 milhões de inscritos e quase 5 bilhões de visualizações. No Brasil, o perfil de TikTok @mari_comenta, em que a dona faz reacts (reações) a vídeos de cravos e espinhas, unhas e ceras de ouvido, tem 1,4 milhão de inscritos.
As explicações científicas sobre vídeos nojentos
O estranho vício das pessoas de assistirem a coisas que podem ser consideradas nojentas foi melhor explicado num estudo feito em 2021 para a revista científica "Behavioral Brain Research", que usou uma técnica neurocientífica chamada fMRI (ressonância magnética funcional, da sigla em inglês). Os cérebros de 80 mulheres foram submetidos a ressonância enquanto assistiam a três tipos diferentes de vídeos: os de estourar espinhas, os de fontes de água e os de limpeza.
Na pesquisa, o sucesso dos vídeos de estourar espinhas esteve mais associado a mulheres “menos facilmente enojadas”, que tiveram aumento da ativação cerebral na parte do córtex frontopolar do cérebro. Esta área é ligada à codificação de intenções de ação e previsão de resultados. Ou seja, as pessoas que assistem aos vídeos prevêem e esperam o momento decisivo em que a pressão será aplicada na espinha e ela será esvaziada, o que gera satisfação.
Já o grupo que não gostava de ver esse tipo de vídeo apresentou uma desativação do chamado “núcleo accumbens” do cérebro, uma região associada tanto à experiência do prazer quanto a evitar experiências não prazerosas. A desativação dessa área normalmente representa uma reação de nojo. O motivo pelo qual apenas algumas pessoas sentem esse asco seria a diferença de cada um em processar o sentimento.
Apesar do nojo nos proteger de situações de perigo (como infecções, por exemplo), algumas pessoas processam que vídeos ou mesmo filmes nojentos ou de terror não estão associados a um perigo real do corpo.
Outra explicação seria a alta curiosidade das pessoas a conteúdos “negativos”. Estes já provaram ser capazes de ativar uma área de recompensa do cérebro em algumas pessoas, como uma espécie de “curiosidade mórbida”. Os cientistas do estudo sugerem que essa característica pode estar mais presente nas mulheres que não sentiram nojo e até gostaram de ver os vídeos.
Maria Fernanda Rosa Fontes, especialista em psicoterapia cognitivo-comportamental, explica que muitas pessoas procuram esse tipo de conteúdo para aliviar suas tensões, angústias e ansiedades.
“Isso ocorre através da liberação de hormônios, como dopamina e serotonina, que provocam uma sensação de prazer”, explica Fontes. Por isso, cuidar de um cravo, espinha ou outra situação dolorosa simularia no espectador o alívio da resolução do problema.
“A diferença do formato virtual é que a pessoa pode assistir a quantas vezes desejar, além de curtir, compartilhar, comentar – comportamentos que também podem aumentar a sensação de prazer”, argumenta a especialista. Ela diz que assistir e gostar desse tipo de conteúdo não configura nenhum problema psicológico.
Influencer do assunto aposta nas reações com humor
Marianna Martins, influenciadora do perfil @mari_comenta, contou a Byte que ela é uma dessas pessoas que aprecia ver extração de cravos e limpeza de pele, mas diz que o seu canal tem um diferencial. “No caso dos vídeos que eu posto, especificamente, acho que tem um atrativo a mais para os seguidores, que são as minhas reações”, diz.
As reações, que também tem apresentado sucesso com outros criadores em outras redes sociais, como TikTok, YouTube e Twitch, parecem ter uma base na identificação, pelo que relata Mari. “O pessoal comenta bastante que se identifica com os comentários e com as caras que eu faço. Acho que coloco um pouquinho de humor nos vídeos, que já são muito agradáveis de assistir. Muitas pessoas também dizem que é uma forma de ajudá-las a pegar no sono e diminuir a ansiedade."
Entre os vídeos de Mari, que incluem unhas encravadas, caspas e outras “nojeiras”, o nicho dos cravos é o mais amado. Já os das unhas são menos populares, por causarem “bastante agonia”, segundo ela.
A criadora separou dias da semana com séries para cada especialidade: nas Terças Ceras, são postados vídeos comentando a limpeza de ceras de ouvido; nas Quintas Encravadas, é a vez das unhas. Os cravos são postados sem um dia específico, mas os adoradores da tendência são chamados de “cravolovers” pela influenciadora, de forma humorística.
Tanto no canal de Mari quanto no de Naty Carvalho, que possui 193,1 mil seguidores no TikTok, o público é majoritariamente de mulheres. A diferença é que no canal de Mari a maior parte são mulheres de 18 a 35 anos, e no de Naty, a maioria tem de 30 a 45 anos. Porém, as duas influenciadoras falaram que tem fãs de todas as idades, até mesmo crianças. “Recebo muitos comentários de mães que assistem aos vídeos com os filhos”, pontua Mari.
Não é recomendado fazer em casa
Apesar dos vídeos de limpeza serem populares, Mari diz não ser recomendado extrair cravos ou espremer espinhas em casa. “Não usar as ferramentas corretas e não fazer a higienização adequada pode trazer problemas bem sérios de saúde, dependendo da região em que se vai mexer. Muitas vezes, o que você acha que é um cravo pode ser um cisto ou outra coisa que precise de intervenção cirúrgica”, alerta.
Ainda que a criadora assuma esse hábito, ela raramente compartilha vídeos de extrações caseiras em seu canal, priorizando os vídeos de intervenções profissionais.