Por que cortes nas bolsas da CAPES impactam tanto a ciência brasileira
Segundo a pesquisadora da Unicamp Sabine Righetti, as bolsas da CAPES podem auxiliar todas as áreas de desenvolvimento científico
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) chocou o país no início deste mês ao afirmar não ter recursos para o pagamento de mais de 200 mil bolsas para alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. O fato foi mais um baque na produção científica brasileira, que há anos sobrem com sucessivos cortes de orçamento.
O motivo do calote nas bolsas foram os recentes bloqueios orçamentários realizados pelo governo federal. Também no começo de dezembro, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que não iria pagar as bolsas de 14 mil residentes médicos que trabalham em hospitais federais.
Devido ao orçamento reduzido das universidades, há relatos de que bolsas de projetos de extensão ainda estão em falta, segundo a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Ainda que as bolsas tenham sido pagas na terça-feira (13), após pressão de estudantes e institutos, o problema não é novo.
Em 2022, de acordo com o Portal da Transparência, o valor destinado à CAPES foi de R$ 3,84 bilhões, já maior que os números de 2021 (R$ 3,01 bilhões) e 2020 (R$ 3,08 bilhões). Porém, esses valores estão em queda quando comparamos a anos anteriores. O orçamento de 2019 foi de R$ 4,25 bilhões. Em 2015, foram R$ 7,01 bilhões.
Para que serve a CAPES?
Surgida a partir de uma campanha nacional em 1951 que clamava pelo aperfeiçoamento de pessoal a nível superior, a CAPES é uma fundação do MEC com um papel fundamental para a pós-graduação no Brasil.
O órgão desempenha uma série de funções, como:
- Investir na formação de pessoal de alto nível, tanto no país quanto no exterior;
- Avaliar cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrados e doutorados);
- Promover o acesso e divulgação da produção científica;
- Promover a cooperação científica internacional;
- A partir de 2007, também passou a induzir e fomentar a formação continuada de professores na educação básica.
Segundo o professor do Instituto de Geociências da Unicamp, Sergio Salles, cerca de 95% do dinheiro da organização vai para o pagamento de bolsas. E o mesmo acontece com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Então os cortes afetam principalmente as bolsas, das quais os pesquisadores muitas vezes dependem para sobreviver, já que não podem ter outro vínculo de emprego”, afirma Salles.
Em parceria com outros quatro pesquisadores, Salles desenvolveu um estudo que analisa a qualidade de projetos de pós-graduação que contaram com bolsas de estudo e os comparam com pesquisas que foram tocadas sem elas. O resultado é impressionante: a qualidade dos trabalhos, segundo a equipe, foi de cinco a seis vezes maior entre os bolsistas.
“Isso mostra que se perdêssemos as nossas bolsas, a qualidade de produção científica no Brasil cairia muito”, destaca ele.
Vulnerabilidade e perda geracional
Hoje, no Brasil, uma bolsa de mestrado custa R$ 1.500, e a de doutorado, R$ 2.200, valores que não são reajustados desde 2013. De acordo com a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), se contassem com o ajuste inflacionário, as bolsas deveriam ter um aumento de 67,97%. Para se ter uma ideia, o salário mínimo em 2013 era R$ 678, e hoje, em 2022, R$ 1.212.
Para o presidente da ANPG, Vinicius Soares, o impacto dos cortes da CAPES, nesse contexto já difícil, é jogar milhares de estudantes na vulnerabilidade social. “E na verdade, acaba sendo um calote mesmo, porque já haviam recursos financeiros, mas o governo federal acabou não fazendo o repasse para as universidades e para a CAPES”, comenta ele.
Além disso, Soares também explica que vivemos uma “perda geracional” muito grande de estudantes que poderiam se dedicar à ciência. “Todo o conjunto de desmonte está gerando uma evasão muito grande nas escolas, nas universidades e na própria pós-graduação. Hoje a pós-graduação não está sendo mais perspectiva para a juventude brasileira”, afirma.
Soares lembra que o estudante hoje, após se formar, ou entra no mercado de trabalho ou na pós-graduação, mas o mercado de trabalho vai garantir duas ou três vezes pelo menos o valor da bolsa. Ou seja: não é atrativo. Isso estaria gerando, segundo ele, uma “perda de talentos” para a produção científica no país.
Dados do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), que é supervisionado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, comprovam que houve uma queda no número de pessoas com mestrado e doutorado no mercado de trabalho formal. O documento diz que a taxa de emprego para mestres caiu de 66,7% em 2009 para 62,2% em 2017. Já a taxa de emprego para doutores caiu de 74,8% para 72,3%.
Biológicas, humanas, exatas... Todas perdem
Sobre os 14 mil médicos residentes de universidades públicas que tiveram suas bolsas contingenciadas, o problema afeta o atendimento médico dentro de instituições como o Hospital São Paulo, na capital paulista, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de outras dezenas de hospitais universitários.
De acordo com a doutora em política científica e pesquisadora da Unicamp Sabine Righetti, as bolsas pagas pela CAPES para as pesquisas podem auxiliar todas as áreas de desenvolvimento. As da saúde, por exemplo, lidam com tratamentos em teste e compreensão de doenças, e são 20 mil hoje em todas as modalidades de pós-doutorado.
“Quase 15 mil cientistas em formação estão trabalhando com assuntos que dizem respeito diretamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nas ciências biológicas também são estudados conceitos básicos de microorganismos, vírus e bactérias, ou seja, trabalhos que também dizem respeito à saúde pública”, afirma Righetti.
Para ela, as questões humanas também precisam ser amplamente estudadas em um país como o Brasil, que é violento e precisa melhorar níveis educacionais. A situação também obriga o país a importar estruturas e soluções do exterior, o que além de caro, nos deixa numa “fila” para recebê-las.
Não é só na CAPES
Além dos recursos diretos, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o principal fundo para apoiar pesquisas em âmbito federal, teve uma queda brutal de recursos. Ele chegou a perder cerca de R$ 44 bilhões de recursos desde 2010.
Todo esse montante voltou para o Tesouro Nacional e perdeu a rubrica de verba da ciência. Além disso, em 2020, dos R$ 5,2 bilhões disponíveis, apenas R$ 600 milhões foram autorizados para uso.
O FNDCT financia projetos de capacitação técnica, desenvolvimento tecnológico industrial e bolsas de iniciação científica, ajudando a formar profissionais altamente especializados. Além disso, também ajuda a construir a infraestrutura necessária para que a pesquisa de ponta aconteça no país.