Por que mininovelas criadas no app Kwai deram tão certo no Brasil
Com milhões de visualizações, mininovelas amadoras de até dois minutos, gravadas para celular, viram febre entre jovens
Markelly Oliveira começou cedo no entretenimento. Nascida em Ilicínea (MG), aos 18 anos tentou carreira como modelo. Foi bailarina do Faustão, musa da Gaviões da Fiel, ring girl, atriz, participante do canal do YouTube Mansão Maromba e agora é uma das pessoas mais famosas do app chinês de vídeos Kwai. O motivo: suas mininovelas recheadas de melodrama e reviravoltas que viralizam pela plataforma.
O sucesso deste tipo de vídeo na rede social é tão grande que produtoras, agências e criadores de conteúdo audiovisual estão trabalhando na criação dessas mininovelas. A hashtag #TeleKwai já tem mais de 17 bilhões de visualizações e 573 mil vídeos.
Além da Markelly &m Ação (sim, escreve-se com "&" mesmo), outros perfis conseguem uma audiência digna de último capítulo das novelas em número de seguidores: Fora das Telas (2,9 milhões), Alpha Filmes (1,8 milhão), Amanda Em Outras Versões (1,6 milhão), Pra Cima TATI!!! (1,3 milhão), O Mundo de DIMILLY (996 mil) e O Filho da Máfia (891 mil).
De formato muito similar ao concorrente TikTok, o Kwai ainda não atingiu no Brasil a quantidade de público de redes sociais mais tradicionais, como Facebook, Instagram e YouTube. Mas é comum os criadores não se prenderem a uma plataforma e postarem suas novelas nas demais redes sociais, além dos fãs baixarem o vídeo original e postarem em seus perfis.
quem não levantou no fim do vídeo pra bater palma é maluco pic.twitter.com/GYlBQsP2w3
— Pedro Certezas (@pedrocertezas) January 18, 2022
A rainha do TeleKwai
O perfil de Markelly do Kwai tem quase 4,5 milhões de seguidores. Começou a gravar novelas no Kwai há poucos meses, em dezembro de 2021. “Em janeiro eu já comecei a perceber que era referência no meio dos criadores. Comecei a ver em fevereiro que já tinha alguns virais e as pessoas começaram a vir atrás para saber como funcionava. Eu não esperava que fosse fazer tanto sucesso”, comenta Markelly.
Um de seus vídeos no Kwai, que conta a história de uma mulher humilhada pelo seu companheiro no chá de revelação por não estar grávida de um menino, bateu a marca de 22 milhões de visualizações. O segundo vídeo mais visto conta a história de uma médica que perdeu o filho. Este último teve mais de 16 milhões de reproduções no aplicativo.
Ao Byte, Markelly conta que ela mesma escreve os roteiros das mininovelas. “A inspiração vem de todos os lugares, desde uma conversa com amigos, filmes, novelas, notícias de jornal, das minhas vivências. Eu saí de casa muito cedo e passei por muita coisa. As ideias surgem de qualquer coisa que eu veja, escute, assista”, explica.
gente o plot twist disso aqui lkkkk 🤯🤯🤯🤯🤯 pic.twitter.com/ng7GOwUpGT
— 𝖆𝖗𝖎𝖊𝖑𝖊 🫧 (@opsthayx) August 10, 2022
Mini no tamanho e gigante na audiência
Rafaela Lotto, diretora de planejamento da consultoria digital YouPix, diz que esse conteúdo está em alta. “O Kwai inclusive está investindo na produção desse formato com incentivos e subsídios para alguns criadores e também com produção própria”, explica.
O canal Markelly &m Ação é gerenciado pela Agência Renoir, do diretor de criação Victor Bellíssimo. Sua equipe é especializada em estratégia de divulgação e criação de novelinhas para o Kwai no Brasil. Atualmente, são mais de 20 agências que gerenciam cerca de 180 contas que produzem esse conteúdo no Kwai. Ao todo, são lançados por mês aproximadamente 4.500 vídeos de novelinhas no aplicativo.
A democratização da produção cultural
A tag #TeleKwai acabou dando a oportunidade para produtores e criadores de conteúdo divulgarem seu trabalho de ficção na plataforma. “O objetivo é empoderar a cadeia de produção amadora e semiprofissional da dramaturgia brasileira. Com esse formato inovador, é possível criar novas fontes de trabalho para produtoras, agências e criadores de conteúdo, reforçando o nosso apoio ao setor audiovisual”, comenta a assessoria de imprensa da Kwai no Brasil.
Hoje, um vídeo produzido de forma amadora pode atingir um público que antes era inimaginável. O humorista Marcelo Adnet, por exemplo, divulgou há alguns meses em seu Twitter diversas histórias de TeleKwai, embora a maioria dos vídeos tenham sido baixados do TikTok.
GAZOLA VS BAHAMUT
Part esp CORUJA pic.twitter.com/YWfiogL2Up
— Marcelo Adnet (@MarceloAdnet) January 19, 2022
Dos mesmos autores de “você está com câncer de coração mas ele vai se sacrificar por você” vem aí: mais uma prova de que a dramaturgia ruim pode conter belas lições https://t.co/73oYq2LFvT pic.twitter.com/tBmTkDzA8O
— Marcelo Adnet (@MarceloAdnet) January 18, 2022
De acordo com os dados oficiais do Kwai, boa parte do público da plataforma é composto pelas classes C e D, com um percentual grande de jovens da região norte e nordeste do país. A criação de conteúdo foca em pessoas que vemos em nosso cotidiano.
Rafaela Lotto, do YouPix, também atribui esse sucesso à identificação do público com o conteúdo. “As histórias geram muita identificação porque são inspiradas, produzidas e encenadas por pessoas reais, iguaizinhas às que as assistem. É uma conexão muito genuína e difícil de ser replicada em outro ambiente tão democrático como a internet”, comenta.
Produção x emoção
A audiência das novelas tradicionais na televisão brasileira vem sofrendo uma queda. Segundo dados da Kantar Ibope Media e divulgados pelo UOL, a televisão aberta perdeu metade da sua audiência nos últimos 20 anos — principalmente com os jovens, que migraram para a internet e serviços de streaming.
Mesmo com essa mudança de plataforma, os hábitos continuam os mesmos. A Kwai destaca que o Brasil tem a novela como paixão nacional, além de ser o país da América Latina que mais consome novelas e o terceiro país que mais usa redes sociais no mundo.
“As mininovelas são a união dessas duas preferências nacionais só que em formato curto de até dois minutos e na vertical, se tornando uma opção de entretenimento para aqueles que consomem conteúdo pelo celular”, explica a empresa.
Outro ponto a ser questionado é que o excesso de primor técnico pode ter afastado a identificação que o público tinha com as novelas. “A linguagem é resultado do repertório do usuário, que não é um profissional. Ou seja, é uma linguagem que nasce do recurso disponível: ‘uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’, apesar de que não sei o que Glauber Rocha (cineasta) diria sobre sua frase sendo empregada para descrever novelinhas da internet”, finaliza Lotto.