Por que o Google quer democratizar a internet
Busca por inclusão digital traz serviços mais acessíveis e alimenta domínio da gigante da web
Realizadas anualmente pelas gigantes de tecnologia, conferências para desenvolvedores como a WWDC, da Apple, e a F8, do Facebook, costumam mostrar a visão do futuro e inovação de ponta dessas empresas. No Google I/O, realizado pelo Google em sua sede em Mountain View, na Califórnia, na última semana, não foi diferente: a gigante de buscas trouxe novidades no Android e em sistemas de inteligência artificial. Mas não foi só isso: a americana também exibiu tecnologias que podem servir para trazer mais gente para a internet - e, claro, para dentro da economia que gira na rede.
"Nossa missão é organizar a informação do mundo para todas as pessoas", disse Sundar Pichai, presidente executivo do Google, durante o evento. Já faz alguns anos que a gigante tem uma área dentro de sua organização dedicada à democratização da tecnologia, a Next Billion Users (NBU) - time dedicado a repensar produtos para rodarem em smartphones de baixa performance ou usados em regiões com conexão instável.
A razão para o Google apostar na inclusão remonta à própria origem da empresa: enquanto as outras gigantes de tecnologia (Amazon, Microsoft, Apple e Facebook) tentam convencer os usuários a pagar por produtos ou permanecer dentro de seus próprios "cercados", o Google nasceu como um "meio do caminho" - afinal, leva as pessoas para resultados de buscas.
A visão de internet aberta é fundamental também para a empresa continuar a ganhar mercado. "Quanto maior for a massa de pessoas no mundo digital, melhor eles conseguem entender os dados sobre o mundo", explica Anderson Soares, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). "Há uma preocupação social, claro, mas ao inserir pessoas com limitações no mundo digital, o Google também aumenta seu poder de consumo. E para o Google não adianta nada ter recursos avançados se eles não chegarem para a massa."
Novidades
Para atingir suas metas de inclusão, a empresa otimiza dispositivos e reduz o tamanho de arquivos do sistema, por exemplo. "Fácil é criar produtos para quem pode pagar; bem mais difícil é pegar tecnologia de ponta e fazê-la funcionar em qualquer tipo de aparelho", diz Caesar Sengupta, vice-presidente da área de NBU no Google (leia entrevista abaixo).
Neste ano, a área trouxe novidades pensadas para usuários menos abastados. Uma delas, disponível no Google Go, versão "light" do buscador da empresa, é a possibilidade de o usuário visualizar um objeto em 3D, pela tela do celular, como se ele estivesse diante dele - tecnologia chamada de realidade aumentada, popularizada pelo jogo Pokémon Go.
É algo que, há alguns anos, exigia muito processamento do smartphone, bem como um sistema avançado de câmeras. "Agora, um estudante que tiver um celular na mão poderá estudar flexão muscular com um sistema 3D", disse Aparna Chennapragada, vice-presidente de realidade aumentada do Google.
A partir do mês que vem, os celulares de baixo custo também poderão rodar uma nova ferramenta de tradução simultânea e assistente de voz. Nela, será possível tirar foto de uma placa na rua e receber, instantaneamente, a tradução em 12 línguas, bem como um áudio do que está ali escrito - útil para turistas e também para quem não sabe ler e precisa pegar o ônibus correto. "São recursos de inteligência artificial que podem facilitar a vida das pessoas", disse Renato Franzin, professor da USP, destacando que se tratam de soluções simples de serem utilizadas.
No entanto, não basta dar acesso: é preciso informar as pessoas sobre as complexidades da internet - incluindo questões como privacidade e segurança. Questionado sobre o tema, Sengupta, do Google, alega que a empresa tenta apresentar seus conceitos de forma simples, com imagens e textos na maior quantidade de possível de idiomas. "Se uma pessoa não entende o que um botão diz, o instinto natural é dizer 'ok' e seguir em frente", diz o executivo. "Queremos evitar isso."
Acessibilidade
O Google não está de olho só em quem tem pouco dinheiro: na última semana, a empresa também apresentou recursos que podem incluir digitalmente populações com deficiência - em especial, quem é surdo ou tem dificuldades na fala. Uma dessas ferramentas é o Live Relay: de um lado, uma pessoa fala; do outro, o usuário recebe o conteúdo da mensagem em texto e digita o que quer responder. Ao Google Assistant, assistente de voz da empresa, cabe o papel de falar a mensagem para quem está do outro lado da linha, em uma interface que lembra aplicativos como o WhatsApp.
Há espaço para ir além. Anunciado na semana passada, o Project Euphonia tentará entender a expressão de pessoas com problemas na fala - que sofrem de estresse pós-traumático ou portadores de doenças degenerativas, por exemplo. A ideia partiu de Dimitri Kanevsky, pesquisador do Google que aprendeu a falar inglês após ter ficado surdo.
Ainda em fase inicial, o projeto recolhe amostras da fala dessas pessoas e o texto equivalente. Com esses dados, a empresa poderá ensinar seus sistemas a entender o que os usuários querem dizer, para quem sabe, no futuro, conseguir traduzi-las automaticamente. "É mais fácil que fazer a inteligência artificial aprender uma nova língua, mas (é preciso levar em conta) que doenças degenerativas afetam o modo como as pessoas se expressam à medida que o tempo passa", explicou Julie Cattiau, gerente de produtos responsável pelo projeto. / COLABOROU BRUNO ROMANI, DE SÃO PAULO
*O repórter viajou a Mountain View (EUA) a convite do Google