Profissionais de inteligência artificial trazem falhas desde o ensino básico
No Brasil, a formação de profissionais enfrenta deficiências como escassez de especialistas, competitividade global e disparidades regionais
A inteligência artificial (IA) não é um tema que nasceu com o ChatGPT; na verdade, a tecnologia vem sendo desenvolvida, testada e usada há tempos em áreas diversas, como educação, finanças, saúde e comércio. Com a tecnologia em alta, a demanda também cresce a cada dia, e é preciso qualificar profissionais para supri-la.
No entanto, o Brasil ainda enfrenta desafios para se adequar à realidade deste “boom” de inteligência artificial. No país, a formação de profissionais enfrenta deficiências que vêm desde o ensino tradicional, além de escassez de especialistas, competitividade global e disparidades regionais.
O relatório “O Futuro do Trabalho 2023", elaborado pelo Fórum Econômico Mundial com o apoio da Fundação Dom Cabral, diz que 23% das ocupações no mercado de trabalho devem se modificar até 2027. Em uma base de dados que analisa 673 milhões de postos de trabalho, há a expectativa de 69 milhões de empregos criados até lá, como efeito desta transformação tecnológica.
Neste mesmo período, 83 milhões de postos poderão ser eliminados. Isso corresponde a uma redução líquida de 14 milhões de postos de trabalho, ou 2% do emprego atual.
Empregos novos, empregos extintos
Ainda de acordo com a pesquisa do Fórum Econômico Mundial, entre os novos postos de trabalho gerados destacam-se:
- Especialistas em IA e aprendizado de máquina;
- Engenharia de fintechs [startup de finanças];
- Cientistas e analistas de dados;
- Engenharia de robótica;
- Especialista em big data [análise de conjuntos de dados muito grandes];
- Especialistas em transformação digital.
O documento diz que os principais postos de trabalho que devem desaparecer, devido à automação e agilidade de processos que a inteligência artificial deve promover, são:
- Caixas de banco e funcionários relacionados;
- Funcionários dos Correios;
- Caixas e cobradores;
- Escriturários de entrada de dados;
- Secretários administrativos e executivos;
- Assistentes de registro de produtos e estoque;
- Escriturários de contabilidade;
- Legisladores e oficiais judiciários;
- Atendentes estatísticos, financeiros e de seguros;
- Vendedores de porta em porta, ambulantes e trabalhadores relacionados.
Ainda que o futuro seja nebuloso sobre essa remodulação de como a sociedade trabalha, muitos profissionais leigos em IA já podem usar plataformas desse tipo para ser uma aliada no trabalho. Assim como no ChatGPT, em muitos casos a pessoa não precisa de muito conhecimento prévio sobre como esses programas foram criados ou treinados.
Desafios vêm desde a educação básica
Especialistas dizem a Byte que os desafios brasileiros para preparar desenvolvedores e gestores em inteligência artificial podem vir desde o ensino básico.
Para John Paul Hempel Lima, coordenador acadêmico do curso de inteligência artificial do Centro Universitário Fiap, falhas no ensino fundamental de matemática e português e baixo grau de escolaridade dos candidatos às vagas são alguns problemas já detectados nos aspirantes a profissionais de IA no Brasil.
Por mais que algumas pessoas defendam que "dá para aprender na internet", o ensino formal ainda é o melhor caminho para entrar neste novo mercado de trabalho, defende ele.
“No entanto, há escolas oferecendo novos formatos pedagógicos, antenados com o mercado de trabalho, que conseguem não só trazer a realidade para a sala de aula, mas motivar os estudantes a serem protagonistas no desenvolvimento”, disse o coordenador.
“O déficit começa nos primeiros anos do ensino escolar regular. O resultado são alunos com alto índice de analfabetismo, desinteresse pelo estudo e má qualificação para o mercado de trabalho, que exige ensino médio completo, curso superior, duas línguas estrangeiras e pós-graduação”, destaca Renan Conde, diretor Américas da empresa de software para recursos humanos Factorial.
Maurício Seiji, especialista em inteligência artificial da empresa de softwares de gestão Softplan, também destaca outros problemas que atrasam o desenvolvimento de profissionais no Brasil:
- Escassez de especialistas: há uma falta de profissionais com conhecimento avançado em IA, como cientistas de dados, engenheiros de IA e especialistas em aprendizado de máquina. A formação de especialistas em IA requer um conjunto complexo de habilidades em matemática, inglês, estatística, programação e conhecimento de domínio específico, o que torna o processo de qualificação mais desafiador.
- Competitividade global: o Brasil enfrenta a concorrência de outros países que estão investindo fortemente em IA, como Estados Unidos, China e países europeus. Essas nações têm ecossistemas de inovação estabelecidos, com empresas líderes em tecnologia, universidades de renome e um ambiente favorável para pesquisa e desenvolvimento.
- Disparidades regionais: o acesso à educação de qualidade em IA pode ser desigual em diferentes regiões do Brasil, com áreas metropolitanas geralmente concentrando mais recursos e oportunidades.
Possíveis soluções: educação e inclusão
Para enfrentar esses desafios, segundo os especialistas, é necessário um esforço conjunto entre o governo, terceiro setor, setor privado e as instituições educacionais.
Além disso, destaca Seiji, o país precisa de investimentos em pesquisas, estímulo à inovação, mais programas de capacitação e parcerias com empresas que podem contribuir para a formação de uma força de trabalho qualificada em IA no Brasil.
“É importante criar iniciativas que promovam a inclusão e reduzam as disparidades regionais, para que talentos em potencial de todas as regiões tenham acesso igual às oportunidades de qualificação em IA”, disse.
Apesar das dificuldades, Renan Conde lembra que as plataformas web trazem muitas qualificações gratuitas, como cursos livres, livros, apostilas, vídeo aulas e cursos de graduação.
“Além disso, é possível encontrar ONGs e serviços sociais que existem em prol da qualificação de profissionais que buscam se inserir no mercado. É o caso do Instituto Proa”, exemplifica.
O Proa, que insere de jovens de baixa renda no mercado de trabalho, tem cursos para desenvolvedor web full stack júnior, um primeiro passo para começar a programar IAs.
“Já no mercado de trabalho, há uma variedade de edtechs [startups focadas em educação] que firmam parceria com empresas para o contínuo desenvolvimento dos seus colaboradores. O que nos falta no âmbito nacional é divulgar em larga escala as diversas opções tecnológicas disponíveis para treinamento e desenvolvimento”, disse Conde.
O perfil do profissional perfeito
Um potencial profissional de IA precisa ter conhecimentos em programação, língua inglesa, matemática, estatística, aprendizagem de máquina, deep learning e ciência de dados, entre outras áreas relacionadas, explicou o especialista Maurício Seiji.
“Algumas das habilidades mais valorizadas em um profissional de IA incluem conhecimentos em linguagem de programação Python e experiência na criação de sistemas de processamento de linguagem natural ou visão computacional”, afirmou Seiji.
O processamento de linguagem natural é uma área da ciência da computação e da linguística que estuda questões ligadas à geração e compreensão de línguas humanas naturais, como os idiomas que falamos e suas sutilezas.
Já a visão computacional é um campo a área que colhe e analisa informações de imagens e vídeos para orientar tomadas de decisões.
Além da bagagem técnica, o mercado demanda certas qualidades no perfil dos profissionais de IA. No Brasil, as habilidades mais priorizadas para os próximos cinco anos serão pensamento criativo e analítico, resiliência, flexibilidade e agilidade.
Seiji ressalta que é importante o trabalhador competente ter uma mentalidade analítica e crítica, capacidade de resolução de problemas, habilidades de comunicação e trabalho em equipe.