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Quem foi Kevin Mitnick, o ex-hacker mais procurado do mundo

Um dos primeiros cibercriminosos a ganhar notoriedade, Kevin Mitnick foi preso em 1995 e, depois, se tornou consultor em segurança digital

20 jul 2023 - 20h05
(atualizado em 21/7/2023 às 12h34)
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Kevin Mitnick, que já foi conhecido como o cibercriminoso mais procurado do mundo e se tornou um dos mais notórios consultores em segurança digital, faleceu em 16 de julho de 2023 por complicações de um câncer pancreático, que ele enfrentava desde o ano passado. A morte marca a passagem de uma das figuras mais prolíficas dos primeiros anos da tecnologia, uma época em que os chamados "hackers" eram uma fantasia cinematográfica.

Para Mitnick, porém, era real, tanto que sua história motivou filmes e documentários. Mais do que isso, ele ganhou as páginas dos jornais após uma caçada realizada pelo FBI, que o colocou em listas de criminosos mais procurados até sua captura, em 1995. Entre seus crimes estavam o roubo de dados, informações de cartões de crédito e informações confidenciais de operadoras de telefonia, agências do governo e universidades.

Sua história, porém, começa de forma mais simples, quando ele burlou o sistema de ônibus da cidade americana de Los Angeles, rodando de graça por meses com o uso de um furador de cartões e passagens de baldeação que encontrou no lixo de uma das empresas de transporte que serviam a cidade. O interesse por computadores, porém, veio mais tarde, quando aos 16 anos de idade, ele invadiu os sistemas computadorizados da DEC (Digital Equipment Corporation), uma das pioneiras do mercado de informática dos EUA.

O ataque aconteceu pelo telefone em 1979, enquanto a cópia de software proprietário rendeu a ele um ano de prisão, mais três de liberdade supervisionada. Era apenas o começo de uma ficha policial que, perto do fim desse prazo, começou a ser preenchida com mais crimes quando Mitnick invadiu os computadores que serviam à plataforma de correio de voz da Pacific Bell, uma das maiores operadoras de telefonia dos EUA.

Agarre-me se puder

Iniciava-se, aqui, a história que transformaria o operador de rádio amador e estudante universitário, que trabalhou na recepção de uma congregação judaica, em uma das figuras míticas da tecnologia global. Procurado pela justiça, Mitnick passaria dois anos e meio como fugitivo enquanto continuava a praticar crimes usando celulares clonados e táticas de evasão disponíveis nos primórdios da internet.

Enquanto as empresas e, principalmente, as autoridades, ainda tentavam entender o que era a rede, o até então cibercriminoso invadia sistemas privados e furtava segredos comerciais. De acordo com uma reportagem do jornal The New York Times citando o então assistente do procurador-geral dos EUA, Kent Walker, Mitnick acessou informações, parentes e propriedades no valor de milhões de dólares. "Uma grande ameaça", o chamavam na época.

Após a oferta de recompensas e uma busca apoteótica, Mitnick foi preso em fevereiro de 1995. Ele estava do outro lado do país, sendo encontrado em um apartamento na cidade americana de Raleigh, mas passando longe do perfil de alta periculosidade que se esperava na época e que se imagina, até hoje, quando falamos em cibercriminosos. Ele não tinha dinheiro, armas ou drogas, mas sim centenas de celulares clonados, muitos computadores e identidades falsas.

Foto: Divulgação/Campus Party Mexico / Canaltech

Sua ficha policial, porém, contava outra história. Ele tinha 14 acusações de fraude financeira e oito relacionadas à posse de dispositivos ou material proprietário. Sobre ele, também pesavam crimes como interceptação de comunicações eletrônicas, acesso não-autorizado a computadores governamentais e realização de danos a computadores. Crimes relacionados ao cibercrime, na época, não eram tipificados e o termo mal existia em meados dos anos 1990.

Ao longo de sua vida, Mitnick negou muitas das acusações que lhe foram feitas, principalmente as de que era um indivíduo perigoso ou indicações de roubo de propriedade intelectual. No final das contas, em 1999, ele assumiu a culpa de alguns de seus crimes e foi condenado a três anos e 10 meses de prisão pelos crimes digitais, além de outro um ano e 10 meses por ter quebrado seu acordo de liberdade supervisionada, do início dos anos 1980.

Surge o mito

Antes da condenação, porém, a figura de Mitnick foi se tornando cada vez mais notória. Em 1997, os sites do Yahoo! e do jornal The New York Times foram invadidos e desfigurados com uma mensagem de apoio a ele, enquanto adesivos com a frase "Libertem Kevin" começaram a se proliferar pelos postes das grandes cidades.

As fábulas relacionadas à antiga visão de um cibercriminoso também se proliferaram. Em mensagem exibida no Yahoo! desfigurado, os responsáveis afirmavam que todos os visitantes haviam sido infectados com um vírus que destruiria seus computadores na noite de Natal, caso Mitnick não fosse libertado até lá. O malware, claro, não existia e o próprio acusado negou qualquer envolvimento com a ação, que quase lhe rendeu novos problemas legais.

"Ao longo do último mês, todos que visualizaram a página do Yahoo! ou usaram o motor de buscas tiveram uma bomba lógica/worm implantado profundamente no computador. O worm é parte de um 'vírus' (em termos leigos) que se espalha por redes internas em que a máquina infectada estiver. Programas binários também foram infectados.

No dia de Natal de 1997, a bomba lógica deste 'vírus' será ativada, causando caos nas redes do planeta inteiro. O vírus pode ser impedido. Mas não por mortais. Um programa antídoto foi escrito. O programa está em algum computador do hemisfério sul. O governo americano será notificado da localização exata desde que liberte Kevin Mitnick imediatamente.

Enquanto isso, sera inteligente da parte das crianças corporativas e militares da América remover todo o dinheiro que possuam em qualquer instiuição financeira. Uma das muitas funções do nosso vírus é acelerar os relógios até o ano 2000.

A aliança PANTS/HAGIS tomou conta dos computadores do mundo. Temos tudo e todos. Ninguém está seguro. Nenhum computador. Nosso objetivo, se alcançado, é a dominação mundial."

Durante seus cinco anos de prisão, o hacker passou oito meses em confinamento solitário. Em entrevistas dadas posteriormente, ele acusou a justiça e a imprensa de criarem uma imagem de criminoso perigoso a ele, alguém "capaz de iniciar uma guerra nuclear se tivesse acesso a um telefone". Enquanto isso, apoiadores e ativistas discutiam se as penas dadas a ele não eram exageradas, diante da ideia de que os crimes cometidos não geraram perdas financeiras, enquanto a única ofensa efetivamente descrita na legislação era a cópia de softwares protegidos por direitos autorais.

Tais conversas, aliás, geraram impactos que vemos até hoje na cobertura jornalística de cibersegurança e, também, nas legislações americanas. O caso Mitnick foi o primeiro e, até hoje, um dos mais famosos a trazer a questão à tona, levando à criação de legislações sobre crimes digitais, além de servir como um alerta à população sobre os riscos envolvendo seus dados e dispositivos em uma sociedade cada vez mais tecnológica.

O conceito de engenharia social

Mitnick foi solto em janeiro de 2000 e permaneceu sob liberdade supervisionada até 2003. Ele não podia usar nenhum tipo de tecnologia além de um telefone fixo durante o período, nem lucrar com filmes e livros sobre sua história. Foi durante esse período que ele "mudou de lado" e se tornou um consultor em segurança, passando a palestrar e escrever livros sobre o tema.

Sua principal contribuição para o debate foi a popularização da ideia de engenharia social, um conceito em que, de posse de algumas informações sobre alguém ou um sistema, seria possível obter muito mais. Pense no conceito contemporâneo de um golpista financeiro que, de posse do nome completo e CPF de um cliente bancário, o convence a passar os dados do cartão de crédito pelo telefone.

É exatamente isso, hoje um tema comum e que falamos todos os dias no noticiário, mas à época, quase um passe de mágica. Entre publicações, biografias autorizadas e palestras, o especialista abriu a Mitnick Security Consulting, uma empresa de consultoria que desenvolvia a KnowBe4, ou "saiba antes, em inglês", uma plataforma de treinamento e testes de cibersegurança que existe até hoje e é líder em conscientização sobre phishing.

Ele também foi parte do rol de conselheiros da Zimperium, que desenvolve sistemas de segurança para smartphones e outros dispositivos móveis. Entre viagens pelos EUA e o mundo, com direito a visitas ao Brasil até o ano passado, ele jamais deixou sua cidade-natal, Los Angeles, onde faleceu no dia 16 de julho de 2023, aos 59 anos. Ele deixou a esposa, Kimberley Mitnick, que está grávida de seu primeiro filho.

Sua história também virou filme no ano 2000. Caçada Virtual: Operação Takedown é baseado no livro escrito por Tsutomu Shimomura, especialista em segurança que colaborou com o FBI na captura do hacker. No longa, Skeet Ulrich (Pânico) interpreta Mitnick, encabeçando um elenco que também traz Russell Wong (Westworld) e Tom Berenger (O Atirador), com direção de Joe Chappelle (Black Bird).

Fonte: Com informações do New York Times

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