Redes sociais podem suspender Bolsonaro ou punir com mais rigor?
De propagação de vídeos antidemocráticos a demorar a se assumir ex-presidente, perfis de Jair Bolsonaro encostam em limites das plataformas
Desde que o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PL) perdeu as eleições de 2022 para Lula (PT), seus apoiadores têm se radicalizado mais tanto no ambiente físico quanto nas redes sociais, o que culminou em atos antidemocráticos em Brasília no domingo (8).
Os ataques golpistas ampliaram um debate sobre a responsabilidade do ex-presidente nas redes sociais ou se omitir ou até apoiar reações radicais de seus fãs, tal qual aconteceu com o ex-presidente dos EUA Donald Trump, quando golpistas invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Na época, plataformas responsabilizaram Trump como incitador dos atos que atentaram contra a democracia do país, e suspenderam suas redes. O blog do Twitter anunciou na época um comunicado informando a suspensão permanentemente da conta de Trump, alegando que os recentes tweets da conta e do contexto em torno deles incitavam à violência.
O mesmo ocorreu com o Facebook e outras redes sociais também, que também suspenderam por tempo indefinido os perfis de Trump. Na ocasião, o fundador Mark Zuckerberg disse que, como consequência de seu apoio aos manifestantes que invadiram o Capitólio dos Estados Unidos, “o presidente americano seria suspenso do Facebook e Instagram indefinidamente e pelo menos até o final de seu mandato”.
Bolsonaro, além de não se manifestar sobre a derrota publicamente, só atualizou a descrição de seus perfis nas redes sociais nesta sexta-feira (13). Até a quinta, ainda adotava a frase “Capitão Paraquedista do Exército Brasileiro. Presidente da República Federativa do Brasil. Candidato à reeleição com o número 22”. Agora, descreve-se como “38º presidente da República Federativa do Brasil”.
Outra postura dúbia dos perfis do político é que diariamente, desde o início de janeiro, eles têm postado ações do seu governo, sem deixar claro que agora ele fala na condição de ex-presidente.
Enquanto Bolsonaro ainda se apresentava como presidente do Brasil, alguns perfis afirmaram que moveram denúncias ao setor de moderação do Twitter contra ele, sob a alegação de "usar uma identidade falsa".
Bolsonaro ainda mantém no perfil oficial do twitter que é presidente do Brasil..
Vamos denunciar em massa a conta do pulha?
(texto opcional para anexar na denúncia) + pic.twitter.com/1ps7UWoxZe
— é o Bruno (@bm90bpm) January 7, 2023
O que difere Trump e Bolsonaro nas redes
Dois fatores influenciam e diferenciam as ações contra Jair Bolsonaro e Trump. Por um lado, o norte-americano incitava abertamente que as eleições presidenciais das quais saiu derrotado seriam fraudadas. Já Bolsonaro fazia isso em entrevistas e lives no YouTube quando ainda estava no cargo, mas manteve uma postura discreta e ambígua após a derrota.
Outra diferença é que a invasão ao Capitólio ocorreu quando o presidente dos EUA ainda governava — diferente da invasão em Brasília, que ocorreu quando Lula tomou o poder.
Ainda assim, para alguns apoiadores, o fato de Bolsonaro não reconhecer abertamente a derrota pode ter influenciado apoiadores. A líder do PSOL na Câmara dos Deputados, Sâmia Bomfim, pediu o bloqueio das redes sociais do ex-presidente. Ela anunciou a medida por meio do Twitter.
Como líder do PSOL, pedirei o bloqueio das redes sociais de Jair Bolsonaro diante de mais uma demonstração golpista. Durante a madrugada, o ex-presidente postou vídeo com fake news sobre as eleições. Reforçaremos também nosso pedido de prisão preventiva do fascista. SEM ANISTIA!
— Sâmia Bomfim (@samiabomfim) January 11, 2023
Sâmia faz referência a uma publicação realizada por Bolsonaro na noite da última terça-feira (10), em que uma postagem enganosa no Facebook de Bolsonaro dizia que Lula não foi eleito pelo povo, e sim escolhido pelo serviço eleitoral junto a ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A publicação viralizou rapidamente nas redes sociais e foi apagada pouco depois.
Como as redes podem tratar Bolsonaro a partir de agora?
Para a advogada Camila Studart, vice-presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB Santos, desde a posse de Lula como chefe do Executivo Federal, Jair Bolsonaro deve se apresentar na internet como ex-presidente, que é o que ele é de fato.
“Diversas consequências podem surgir deste ato, cíveis e criminais. Ele está sob investigação e agir dessa forma é ainda mais prejudicial, pois reforça as acusações que recaem sobre ele e sua defesa fica cada vez mais difícil”, afirmou.
Segundo ela, esse ato em mentes extremistas (e isso se aplica à direita e à esquerda) pode incentivar atos criminosos. Bolsonaro pode também vir a ser chamado para esta responsabilidade.
Studart explica que Bolsonaro teve uma votação muito expressiva e precisa entender que sua força também traz responsabilidade. “Este é um cenário extremamente crítico para o Brasil que nos enfraquece como povo e como nação”, avalia.
Como apontou Rogério Passos, especialista em redes sociais e CEO da agência de marketing digital Link3, tecnicamente todas as redes sociais têm um mecanismo para analisar as denúncias de fraudes ou fake news. “Como vimos nos EUA, a suspensão foi feita no dia dos acontecimentos sem que qualquer autoridade fizesse o pedido”, disse.
O STF e o TSE, através do ministro Alexandre de Morais, responsável por um inquérito sobre fake news, já suspenderam diversas contas durante o período eleitoral, como as do pastor André Valadão e da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).
“O que acontece é que cada rede social tem sua política interna no que diz respeito a suspensão de contas e não temos leis claras sobre o assunto”, continua Passos.
“A remoção da conta pode se dar por decisão da própria Meta (no caso do vídeo contestando o resultado da eleição), se entender que o usuário está violando suas diretrizes, ou por meio de ordem judicial”, disse Studart. No caso do Donald Trump, a medida de exclusão de suas contas partiu das próprias redes sociais quando ele foi acusado de propagar discurso de ódio, no contexto da invasão do Capitólio.
A reportagem tentou contato com o Telegram, Twitter e Meta (responsável pelo WhatsApp, Facebook e Instagram) para saber qual seria o futuro de Jair Bolsonaro nas plataformas, mas até o momento desta publicação, não obteve retorno.
Responsabilidade judicial ou das plataformas?
Apesar de muitos acharem que as redes sociais são “terra sem lei”, não funciona bem assim. Com grande adesão dos cidadãos às mídias digitais, é de se esperar que esses espaços digitais sejam regulados sem que isso interfira na liberdade de expressão.
No entanto, ainda que existam marcos regulatórios como o Marco Civil da Internet — que incentiva a liberdade, diversidade e pluralidade na rede — nem sempre a fiscalização nesses locais funciona. Aqueles que violam as regras estabelecidas, tanto as legislações de cada país como as das plataformas, podem ser punidos.
“A regulamentação tem sido realizada, em maior parte, pelas próprias empresas donas das plataformas, mas creio que ambos (justiça e donos das empresas) deveriam trabalhar em conjunto e acho que a população também deveria participar através de uma consulta pública”, disse Passos.
Studart avalia que as diretrizes das comunidades, bem como seus termos de uso e políticas, são de criação e responsabilidade exclusiva das plataformas (seja Meta, Google, Twitter ou qualquer outro).
“Elas devem observar a legislação local, mas não se limitam a ela, podendo criar mecanismos de organização, desde que não isso não venha a ferir direitos de seus usuários (como o banimento arbitrário, decisões automatizadas e ausência de possibilidade de defesa, como vemos frequentemente)”, afirmou.
A advogada destaca, no entanto, que todo o processo legislativo deve seguir o que está previsto na Constituição.
Já Passos afirma que “enquanto os órgãos políticos e de justiça não se moverem, as plataformas irão seguir da forma que for mais conveniente”.