Saiba como a tecnologia pode ser aliada de mães em situação de vulnerabilidade
Mães em situações socialmente desafiadoras podem contar com tecnologias para criar conexões e desenvolver formas traçar novos caminhos
No próximo domingo (12), comemoramos o Dia das Mães, uma data especial para homenagearmos as mulheres que nos presentearam com a vida. No entanto, para muitas delas, esse título pode ser marcado por desafios e dificuldades, principalmente para aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
O estudo “A mulher em vulnerabilidade social e a relação com a violência familiar”, publicado em julho de 2023 na Revista de Psicologia, Diversidade e Saúde, mostrou que pouco mais da metade das entrevistadas é solteira (53% das pesquisadas), sem ensino fundamental completo (79%), com a idade entre 40 e 59 anos (55%) e 50% depende de um salário mínimo para sustentar a família.
No Brasil, sete em cada dez mulheres são mães e a maioria é solteira, viúva ou divorciada (55%) e outras vivem com um companheiro ou companheira (45%), segundo dados de uma pesquisa do Datafolha, de 2023.
A psicóloga perinatal e parental Michaely Mourato disse em entrevista ao Byte que um dos principais desafios dessas mães é a dificuldade em conseguir emprego, seja por preconceito por parte de empregadores ou só pela maternidade, principalmente quando os filhos são ainda pequenos.
Ela ainda ressalta que a "baixa escolarização também agrava a vulnerabilidade, pois sem uma rede de apoio que elas possam contar, tende a acontecer uma interrupção nos estudos".
Felizmente, a tecnologia se tornou uma ferramenta poderosa para transformar a vida dessas matriarcas em situação de vulnerabilidade. Diversos projetos sociais inovadores utilizam a internet e ferramentas digitais para oferecer capacitação, oportunidades de trabalho e acesso à informação para essas mães.
Inclusão
Para o Womby, um projeto da empresa B2Mamy, uma socialtech, que leva oportunidades para mães em situação de vulnerabilidade social a encontrar um novo caminho, através de capacitação e empregabilidade em profissões digitais.
Criado em 2020, o programa já teve parceria com a Dell Technologies, que lidera o Dell Women’s Entrepreneur Network (DWEN), rede de apoio criada para que mulheres consigam empreender através da tecnologia.
Nas turmas do projeto, mães residentes de regiões periféricas e favelas em centros urbanos participaram de aulas ao vivo e mentorias das especialistas da B2Mamy, criando habilidades digitais, como a de gerenciamento de redes sociais.
Além disso, as participantes entram nos bancos de dados de empresas parceiras do projeto, para que elas realmente consigam por prática todo o conhecimento que aprenderam.
Desde a primeira turma, cerca de 500 mães foram capacitadas. Delas, 50% foram recolocadas ou estão gerando renda no mercado de trabalho (por exemplo, com freelance).
Além disso, a plataforma educacional da B2Mamy conta com o apoio de apenas R$ 9,99 ao mês, valor destinado às mães do projeto da Agência da Organização das Nações Unidades para Refugiados, e também do projeto Conexão Favela, que estão em vulnerabilidade social. Recentemente, a empresa liberou 100 acessos para que as participantes consigam participar dos cursos de capacitação e mentorias.
Na visão de Michaely, o acesso expandido às oportunidades do mercado – seja ele feito de forma remota ou presencial, assim como o empreendedorismo, ganha flexibilidade na rotina.
“A mãe poderá estar mais perto dos filhos e acompanhá-los na inserção deles no mundo digital também”, disse a psicóloga.
Telemedicina
A capacitação também traz outro ponto importante para essas mães que estão em vulnerabilidade social, que é a sensação de pertencimento, vinda da conexão feita com outras mulheres.
Michaely destaca que essas trocas feitas com a comunidade que elas estão inseridas é muito importante emocionalmente. “Não podemos esquecer também do acesso à saúde via telemedicina, inclusive acesso à suporte emocional on-line”, ressalta.
Em uma pesquisa publicada no Journal of The Brazilian Medical Association, pesquisadores da Turquia concluíram que o acompanhamento de mães via teleaconselhamento ajuda a diminuir ansiedade e depressão durante o período de gravidez.
Os cientistas realizaram um ensaio clínico randomizado com 100 mulheres, dividindo-as em grupos de intervenção (com aconselhamento) e de controle (sem aconselhamento, apenas com rotina de cuidados). Os resultados mostraram que as mulheres do grupo de intervenção tiveram redução tanto na ansiedade quanto na depressão.
Os níveis de ansiedade tiveram redução de uma média de 7,62 para 5,26 após as sessões on-line, e os de depressão caíram de 5,50 para 3,52. Os médicos notaram que no grupo de controle, os níveis de ansiedade e depressão aumentaram conforme a gravidez progredia, mas admitiram que isso pode acontecer simplesmente pelo nervosismo da gravidez em si.
Empreendedorismo
Outro projeto com foco em vulnerabilidade social contou com o apoio da Accenture, em 2023, para a formação de nanoempreendedores (empresas formadas com uma só pessoa) com a Rede Asta. Das primeiras três turmas formadas, com cerca de 640 matriculados, eram 94% mulheres, 57% pretas e pardas e 30% com renda familiar de até um salário mínimo.
A iniciativa ocorreu em 118 cidades e 19 estados, com participantes em nível iniciante, para aquelas que já tinham um negócio ou para quem estivessem começando a empreender. Todas as aulas foram feitas on-line, com aproximadamente 150 pessoas em cada.
Dificuldades de acesso
Para Carine Roos, CEO e fundadora da Newa, existe um ponto, no entanto, que pode dificultar a mudança desse cenário, uma vez que estar on-line não é suficiente.
“Como essa mulher que está em extrema vulnerabilidade consegue um acesso facilitado, por exemplo, aos órgãos públicos, de saúde, educação, cultura, entretenimento e etc, se não tiver acesso à internet, o que costuma ser, muitas vezes é usado pré-pago, ou um acesso limitado.?", questiona.
Em entrevista ao Byte, ela disse que, dependendo da tecnologia que é utilizada, isso poderia ser uma barreira para elas.
Dados da pesquisa TIC Domicílios 2022, feita pelo Cetic,br, mostram que o número de domicílios com acesso à internet chegou a 80% no Brasil. Outra pesquisa, chamada de “Conectividade significativa: proposta para mediação e o retrato da população no Brasil”, mostra que somente 57% dos brasileiros não têm acesso pleno à internet, ou seja, uma conexão de qualidade.
Por outro lado, ainda há uma disparidade grande para as mães em vulnerabilidade social, que mesmo com acesso à internet em casa, precisam ter letramento digital, que é a capacidade de entender, analisar criticamente, comunicar-se efetivamente e aplicar habilidades digitais em diversos contextos.
Para Mariana Zuppolini, líder da Prática de Responsabilidade Corporativa da Accenture Brasil, a saída é levar o conhecimento a essas mães. “Principalmente nos modelos que são 100% virtuais, ter o mínimo de letramento digital para começar o programa é necessário”, disse ao Byte.
Carine ressalta que além das barreiras com tecnologia, há aquelas que são sociais. “Muitas vezes é menos sobre a tecnologia e mais sobre burocracia, a forma como o estado opera e que exclui essas pessoas de acessar, independente do local”, disse.
Mariana concorda ao dizer que “ter acessibilidade como princípio no desenvolvimento de aplicações de tecnologia deveria ser um imperativo”.
Ela acredita que quaisquer tecnologias devem ser intuitivas, simples de usar e acessíveis por pessoas com diferentes níveis de habilidade técnica e alfabetização digital.