Satélites melhores e Alcântara: o que esperar do novo programa espacial brasileiro
Marco Antônio Chamon assume a presidência da AEB e tentará ampliar uso da base no Maranhão, mas cita entraves econômicos e políticos
Muitos brasileiros não sabem, mas, assim como os Estados Unidos têm a agência espacial Nasa, o Brasil tem a AEB (Agência Espacial Brasileira). A instituição é vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e visa empreender os esforços do governo brasileiro na autonomia do setor espacial.
Entretanto, o orçamento da AEB é cerca de um milésimo do orçamento da Nasa, estimou o então presidente da agência, Carlos Augusto Teixeira de Moura, em entrevista ao canal do YouTube do IEP (Instituto de Engenharia do Paraná) em 2020.
Agora, o Brasil segue o desafio de ampliar os investimentos no setor sob nova gestão na Agência Espacial Brasileira. Em junho, o governo Lula trocou o comando da AEB e nomeou o pesquisador Marco Antônio Chamon para a presidência.
A indicação traz otimismo aos especialistas e entusiastas da área, até pela mudança de perfil na transição. Nomeado na gestão de Jair Bolsonaro, Moura era coronel da reserva da Aeronáutica.
Já Chamon tem um perfil mais técnico. O novo diretor da AEB foi coordenador do programa de satélites científicos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e gerente da missão espacial SABIA-Mar (Satélite Argentino-Brasileiro de Informação Ambientais Marinhas), um satélite voltado a monitoramento de rios e oceanos.
Alguns dos principais desafios de Chamon será coordenar a parceria com a China no lançamento de um satélite com previsão de entrar em órbita em 2028. O acordo foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em viagem à China em abril.
Especialistas ouvidos pelo Byte destacam que a criação de programas estratégicos para desenvolvimento da indústria espacial nacional a partir do modelo da tríplice hélice — que é a soma de esforços entre indústria, governo e academia — será essencial para alavancar o setor e mantê-lo competitivo.
A imagem da AEB
“A AEB é uma agência totalmente desconhecida para o público comum e precisa achar um modo de furar a bolha caso queira um maior apoio da população para ganhar relevância dentro do governo”, disse Lucas Fonseca, CEO da empresa de dados espaciais Airvantis.
“Costumo dizer que no dia que começarmos a ver pessoas usando uma camiseta da AEB ao invés da Nasa na rua, estaremos no caminho certo”, completou.
O professor do curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Eduardo Escobar Bürger ressalta que um dos papéis da AEB é aproximar a sociedade desse setor.
Bürger diz que a AEB deve mostrar que os frutos dos investimentos gastos na área espacial retornam de diferentes formas que impactam positivamente nosso cotidiano, como:
- Avanços científicos e tecnológicos, que podem ser utilizados por outras indústrias e também pela sociedade, como novas tecnologias para a medicina;
- Monitoramento do meio ambiente, da agricultura, da gestão de desastres naturais e do clima por meio do sensoriamento remoto com satélites;
- Gerando empregos e trazendo investimentos para o país.
Ao Byte, Chamon disse em entrevista exclusiva que pretende mostrar o programa espacial como um benefício para a sociedade.
"Todo mundo tem um GPS no celular ou utiliza para dirigir um carro. O GPS só existe porque há um programa espacial. Talvez o mais conhecido desses serviços, embora não diretamente para a população, mas com grande impacto sobre a sociedade, é o monitoramento de desmatamento da floresta Amazônica."
Ele também pretende colocar a AEB no imaginário das pessoas como é com a Nasa nos EUA, mas admite a dificuldade da missão.
"É aquela ideia da criança querer ser astronauta. Mas a gente se surpreende! Em São José dos Campos (SP) tem um programa em curso de estudos espaciais direcionado à graduação. Mas houve um painel com astronautas, inclusive presenciais. Isso foi assistido por 3 mil crianças de escolas públicas!", exemplificou.
Centro de Lançamento de Alcântara
Viabilizar a base de lançamentos em Alcântara, no Maranhão, para lançamentos internacionais e conseguir aprovar a Lei Geral do Espaço, documento que vai criar o arcabouço legal para permitir atividades comerciais no local, também devem ser prioridades da nova gestão da agência.
“Não enxergo que está claro para o Brasil de como a economia espacial vai ser disruptiva para o futuro próximo da humanidade. Estamos falando de recursos energéticos, minerais e até instalação de ambientes fabris fora da Terra”, comenta Lucas Fonseca.
“Vamos incluir o sistema solar como nosso vizinho próximo e veremos atividades diversas sendo desenvolvidas em lugares que só residiam na ficção científica até então. Precisamos decidir como faremos parte desse novo cenário, e a AEB tem uma responsabilidade enorme nisso”, incluiu o empreendedor.
Alcântara é considerada um dos melhores sites de lançamento do mundo por diversos motivos: posição geográfica (proximidade à linha do Equador), densidade demográfica e condições climáticas.
Fonseca acredita que a base é promissora, mas, com as novas tecnologias e principalmente o domínio do mercado pela SpaceX, o diferencial competitivo perde o valor.
“É importante garantir alguma empresa relevante operando de Alcântara (…) Eu acredito muito que a Blue Origin, concorrente direta da SpaceX, poderia ser uma ideia para viabilizar o local. Mas eles não virão sozinhos, precisamos ir buscar esse tipo de empresa”, diz.
“Espero que a nova gestão da AEB aproveite essa oportunidade o mais rápido possível, enquanto essas características ainda são grandes diferenciais para o lançamento de satélites”, afirma o professor da UFSM Eduardo Escobar Bürger.
Sobre o tema, Chamon disse que o potencial é muito grande para o uso da base, mas aponta entraves. "Há mais países do mundo que fazem satélites do que países que fazem lançadores. É um desafio caro não só tecnologicamente, mas politicamente. Porém, o retorno é muito grande."
Satélites
O uso de satélites também deve ser uma das principais pautas da nova gestão da AEB. De acordo com o Bürger, o Brasil já faz um “excelente uso dos satélites que possui”, apesar de serem poucos.
Ele cita os satélites do programa CBERS e a Plataforma multimissão, com o satélite Amazônia-1; e os nanossatélites Visiona e Pion, desenvolvidos por universidades e por empresas privadas.
“Acredito que temos que usar as tecnologias espaciais em aplicações que desenvolvem ainda mais os nossos pontos fortes: o agronegócio e nossas florestas”, disse o especialista.
Sobre os programas de nanossatélites nas universidades, Bürger acredita que deveriam ser ampliados e usados principalmente como qualificação de recursos humanos e para validação de novas tecnologias.
“Para que, após serem testadas no espaço, possam ser transferidas para a indústria nacional e então compor os satélites de maior porte e/ou competirem no mercado internacional”.
Ao Byte, Chamon demonstrou otimismo com a parceria com a China, com lançamento de satélites óticos que poderão realizar imagens aéreas até mesmo à noite.
"Isso oferece oportunidades. É importante ver regiões que a gente não via; é uma tecnologia nova que vamos avançar; e é mais um insumo para que empresas de pequeno porte se desenvolvam para usar o produto. A gente espera poder promover um ramo novo, crescer a exploração de dados no setor privado".