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Substâncias psicodélicas quebram tabus com potenciais avanços à psiquiatria

Uso do chá de ayahuasca, LSD, mescalina e outros são estudados e experimentados para medicar depressão e outros transtornos

11 ago 2023 - 16h46
(atualizado em 14/8/2023 às 15h25)
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Especialistas comentam os estudos em andamento no Brasil em torno do uso de psicodélicos na psiquiatria
Especialistas comentam os estudos em andamento no Brasil em torno do uso de psicodélicos na psiquiatria
Foto: Poder360

No mundo, quase um bilhão de pessoas sofrem de algum transtorno mental, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) levantados em 2019. Outro levantamento do mesmo ano, da plataforma de terapias online Vittude, aponta que 86% da população do Brasil passa ou passou por isso.

Parte desses pacientes recorre aos tratamentos tradicionais aprovados pelos órgãos reguladores. Outros esperam poder se curar por drogas psicodélicas, que ainda não têm comprovação científica. 

Ainda assim, alguns dos cientistas mais renomados do Brasil e do mundo levam o tema muito a sério. Pesquisadores estão mergulhados em estudos sobre os efeitos desses medicamentos alternativos nos tratamentos psiquiátricos. 

O Brasil, inclusive, é uma das referências mundiais em pesquisas desenvolvidas com o chá de ayahuasca, um potencial alucinógeno utilizado por indígenas na Amazônia em rituais de cura. 

O chá combina a folha de chacruna — que contém um psicodélico natural chamado DMT — com a vinha de ayahuasca. Essa junção cria uma experiência psicodélica que pode durar horas. 

O professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Draulio Araujo, conduz um projeto de pesquisa em pacientes que apresentavam quadros de depressão que resistiam aos tratamentos disponíveis. Metade dos pacientes se submeteu a uma intervenção com ayahuasca e a outra metade com placebo (dose sem ação farmacológica). 

“O que a gente observou foi uma mudança muito significativa na redução dos sintomas de depressão nos pacientes que se submeteram à intervenção com ayahuasca”, disse o pesquisador.

O que são psicodélicos?

Psicodélicos são substâncias químicas que agem no cérebro modificando o estado habitual de consciência. Também são conhecidos como alucinógenos.

São exemplos de psicodélicos clássicos a dietilamina do ácido lisérgico (LSD); a mescalina, extraída do peyote (um pequeno cacto); e a dimetil-triptamina (DMT), presente em várias plantas, como a ayahuasca.

Também são psicodélicos a psilocibina, encontrada em várias espécies de cogumelos; a cetamina, o MDMA e a ibogaína, dentre outros.

Os psicodélicos atuam principalmente na serotonina, o hormônio que regula a felicidade no cérebro. Também causam outros efeitos principalmente durante a fase aguda, que ocorre nos primeiros minutos ou primeiras horas após a ingestão, dependendo da substância.

A psilocibina já mostrou eficiência em uma série de tratamentos, com e sem efeitos psicodélicos, principalmente no tratamento da depressão (Imagem: Microgen/Envato Elements)
A psilocibina já mostrou eficiência em uma série de tratamentos, com e sem efeitos psicodélicos, principalmente no tratamento da depressão (Imagem: Microgen/Envato Elements)
Foto: Canaltech

O que o tratamento com psicodélicos traz de novo? 

Os estudos em curso têm testado o tratamento do psicodélico com cerca de três a nove sessões dirigidas. Dessas, o paciente toma de uma a três doses, dependendo do caso. A ingestão do psicodélico deve ser sempre ministrada e acompanhada por um médico ou alguém da equipe multiprofissional, que pode incluir profissionais como psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e nutricionistas.

“[O tratamento] trabalha junto ao paciente as memórias, situações oníricas e as emoções que afloram durante o efeito do psicodélico”, diz o médico psiquiatra Andre Brooking Negrão, coordenador do Ambulatório de Sedativos e Hipnóticos do Centro de Álcool e Drogas do Instituo Perdizes do HCFM da Universidade de São Paulo (USP). 

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Os estudos no Brasil normalmente englobam transtornos associados ao uso de álcool, do estresse pós-traumático e a depressão, segundo ele.

Para Draulio Araujo, há uma redução muito significativa dos sintomas depressivos já um dia após a sessão com ayahuasca. 

“Isso é uma mudança muito significativa, tendo em vista que todos os antidepressivos que a gente têm hoje disponíveis no mercado demoram cerca de 15 dias para fazer efeito. O fato de [a ayahuasca] ter um efeito rápido parece ser muito significativo”, comenta Araujo.

A psilocibina é um ingrediente chave nos cogumelos psicodélicos
A psilocibina é um ingrediente chave nos cogumelos psicodélicos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mais estudos em andamento

Até o momento, no Brasil, nenhum psicodélico atingiu certificações no tratamento de transtornos mentais. Porém, há pesquisas em andamento buscando evidências científicas para colocá-los no mesmo patamar das abordagens já existentes.

Os pacientes convidados a participar destes estudos receberam os tratamentos já existentes tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto no setor privado. Mas não obtiveram resultados satisfatórios, de acordo com Negrão.

“Infelizmente, teremos que aguardar os resultados destes estudos nacionais e internacionais antes de definir quais serão os pacientes com transtornos mentais que se beneficiarão do uso de psicodélicos. [Descobrir] se esta nova abordagem é igual, ou melhor, às já disponíveis e quais pacientes poderão sofrer prejuízo se usarem no seu tratamento”, disse. 

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Para Rafael Guimarães dos Santos, pesquisador do Laboratório de Estudos com Alucinógenos Psicodélicos em Saúde Mental da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), ainda são poucos os estudos em alucinógenos na comparação com a indústria farmacêutica. Mas os primeiros resultados já seriam promissores, na sua visão.

“Tem muita gente pedindo para legalizar o uso medicinal, só que não tem muita evidência para fazer isso. Então, não tem nenhum deles que você possa efetivamente receitar hoje em dia nos termos científicos”, disse o pesquisador. 

O professor diz que o Brasil é um dos países que mais produz estudos nessa área porque permite acesso livre à ayahuasca para pesquisas. O mesmo não acontece com outros psicodélicos, porém.

Folhas para a preparação da ayahuasca
Folhas para a preparação da ayahuasca
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

“As pesquisas com LSD e psilocibina são feitas mais no exterior porque no Brasil são substâncias proibidas. Então até para você ter acesso à pesquisa é um pouco mais complicado. É um campo que está crescendo, mas é um campo jovem ainda”, disse.

Ele prevê que a psilocibina seja regulamentada para depressão — especialmente nos Estados Unidos e Europa — nos próximos cinco a 10 anos. No Brasil, acredita no potencial da ayahuasca, mas isso irá depender dos resultados científicos.

“O Brasil já tem acesso à substância. Tem que ser avaliado como isso vai ser feito em termos de uso, porque tem toda a questão religiosa, a ayahuasca não pode ser patenteada”, disse. “Se houver algo [em novas leis], que seja seguindo as regras e valorizando um produto nosso, da Amazônia, descoberto pelos povos indígenas. Tomara que possa ajudar as pessoas”, incluiu Santos. 

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Os psicodélicos são para todos?

Não. Os especialistas são unânimes em ressaltar que os tratamentos com drogas psicodélicas não são direcionados a todos os pacientes e podem apresentar riscos. Logo, é preciso cautela, mesmo em terapias assistidas por profissionais da saúde.

Os psicodélicos não são recomendados em determinados casos, como pacientes com risco de apresentar surtos psicóticos, que tenham esquizofrenia ou histórico familiar do transtorno, que tenham depressão que cursa com psicose ou transtorno bipolar. "Isso tudo é avaliado numa triagem feita geralmente por um psiquiatra”, diz Draulio Araujo. 

Austrália se tornou o primeiro país do mundo a autorizar o uso de psicodélicos em tratamentos médicos; porém, com algumas limitações
Austrália se tornou o primeiro país do mundo a autorizar o uso de psicodélicos em tratamentos médicos; porém, com algumas limitações
Foto: Forbes

O pesquisador da UFRN cita que a ayahuasca vem sendo utilizada há centenas de anos por populações indígenas e há 100 anos por populações urbanas. Com prescrição médica, porém, é algo novo e ainda estudado. 

Algumas religiões têm a ayahuasca como seu sacramento — como o Santo Daime, a União do Vegetal e a Barquinha. “Mas a prescrição médica é algo novo. A medicina e a ciência tentam garantir a segurança dessas pessoas, fazendo uma seleção muito significativa de quem pode e quem não pode se submeter a um tratamento”, disse o neurocientista. 

Avanço na Austrália

Em julho deste ano, a Austrália se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a prescrição clínica de MDMA e psilocibina para determinados transtornos mentais. Mas a libera "em casos específicos, para poucos médicos e com aprovação precária", na opinião de Marcelo Allevato, membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). 

“O uso de uma substância não submetida ao processo regulatório de aprovação é sempre um risco. A prudência manda que nós esperemos as autoridades e vermos os riscos envolvidos. Existem relatos de efeitos adversos com problemas cardíacos, não é legal a população ficar se expondo ao tratamento”, disse o psiquiatra. 

Apesar da cautela, ele se mantém positivo aos estudos na área. “A pesquisa séria sempre é vista como algo desejável. É sempre bom termos uma opinião baseada em evidências cientificas, produzidas por pessoas sérias, do que ficar no achismo”, comentou Allevato. 

Fonte: Redação Byte
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