Tecnologia ajuda inclusão de pessoas com deficiência, mas falta acessibilidade
Aparelhos e softwares amplia, as habilidades funcionais das pessoas com deficiência por meio de recursos eletrônicos ou não
Formado em Turismo, Bruno Ribeiro, de 31 anos, é portador de síndrome de Down e autodefensor nacional da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. Palestrante, o jovem falava com bastante fluência; porém, há cerca de cinco anos, a capacidade de fala começou a diminuir gradativamente.
A mãe Helena Ribeiro explica que o jovem começou a falar mais baixo e mais devagar, com isso, perdeu a habilidade de falar com o público naquele momento. Para continuar defendendo a causa com suas palestras, Bruno foi conhecer mais sobre formas de comunicação alternativa.
Entra aí a tecnologia assistiva (TA), termo que engloba todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência. Incluindo:
- Mobilidade;
- Audição;
- Autocuidado;
- Visão;
- Cognição;
- Comunicação.
E foi assim, por meio de um tablet, que Bruno passou a contar com a tecnologia para se continuar sendo autodefensor das associações que abordam a síndrome de Down, inclusive, mantendo suas palestras.
Ele usa o tablet desde agosto de 2022. O aparato funciona de forma simples: Bruno digita as palavras por meio do aplicativo Let Me Talk, que transforma os textos em uma gravação de voz.
Milhões de pessoas com deficiência não têm acesso à TA
No Brasil, cerca de 18,6 milhões de pessoas de dois anos ou mais de idade do país (ou 8,9% desse grupo etário) tinham algum tipo de deficiência na última pesquisa do módulo Pessoas com deficiência, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2022, divulgada pelo Institudo Brasileiro de Geografia e Estatísticca (IBGE).
Já no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as pessoas com deficiência representam 16% da população mundial.
Apesar de essas tecnologias representarem um marco na luta pela inclusão social das pessoas com deficiência, existe um lado obscuro no panorama de inclusão: o alto custo de muitas delas.
Uma cadeira de rodas motorizada, por exemplo, custa a partir de R$ 4.000, podendo variar o preço. Um aparelho auditivo pode custar R$ 3.500, e até algo mais "simples", um teclado adaptado em Braille custa cerca de R$ 300, no site da Magazine Luiza.
Essa realidade cria uma nova barreira, excluindo aqueles que não possuem condições financeiras de adquirir os dispositivos necessários para sua plena participação na sociedade. E essa é a ironia: ferramentas criadas para promover a inclusão acabam por segregar aqueles que precisam delas.
Isso é mostrado no relatório global sobre tecnologia assistiva mais recente, publicado pela OMS e a Unicef em 2022, que expôs mais de 2,5 bilhões (aproximadamente 1/3) de pessoas como necessitando de um ou mais produtos assistivos.
Sendo que, quase um bilhão delas não têm acesso a essas tecnologias, principalmente em países de baixa e média renda.
“Negar às pessoas o acesso a essas ferramentas que mudam vidas não é apenas uma violação dos direitos humanos, também demonstra pouca visão do ponto de vista econômico. Pedimos a todos os países que financiem e priorizem o acesso à tecnologia assistiva e deem a todos a chance de viver de acordo com seu potencial”, disse em 2022 o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Como a tecnologia ajuda as pessoas com deficiência?
A tecnologia assistiva é dividida por categorias, e é considerada uma área transdisciplinar, ou seja, é elaborada e utilizada por diversos profissionais da saúde e educação.
Mara Sartoretto, uma das diretoras da Assistiva Tecnologia eEduacação, explica que todos se utilizam dos recursos de tecnologia, inclusive a engenharia.
“Eles [os produtos] não são feitos generalizado. Cada pessoa, com seu perfil e sua funcionalidade ou não, vai demandar uma avaliação e ver qual é o recurso que vai dar acessibilidade”, diz Mara.
A Assistiva Tecnologia eEduacação ensina familiares, profissionais e o próprio usuário a utilizar aquele recurso. Essas tecnologias podem ser aplicadas da seguinte forma:
- Comunicação aumentativa e alternativa (CAA): recursos, eletrônicos ou não, que permitem a comunicação expressiva e receptiva das pessoas sem a fala ou com limitações da mesma. São muito utilizadas as pranchas de comunicação com os símbolos ARASAAC, SymbolStix, Widgit, PCS ou Bliss além de vocalizadores e softwares dedicados para este fim;
- Recursos de acessibilidade ao computador: equipamentos de entrada e saída (síntese de voz, Braille), auxílios alternativos de acesso (ponteiras de cabeça, de luz), teclados modificados ou alternativos, acionadores, softwares dedicados (síntese e reconhecimento de voz, etc.);
- Sistemas de controle de ambiente: sistemas eletrônicos que permitem às pessoas com limitações moto-locomotoras controlar remotamente aparelhos eletro-eletrônicos, sistemas de abertura de portas, janelas, cortinas e afins, de segurança, localizados nos ambientes doméstico e profissional.
- Auxílios de mobilidade: cadeiras de rodas manuais e motorizadas, bases móveis, andadores, scooters, etc;
- Auxílios para surdos: equipamentos (infravermelho, FM), aparelhos para surdez, telefones com teclado — teletipo (TTY), sistemas com alerta tátil-visual, campainhas luminosas entre outros.
A Fundação Dorina Nowill para Cegos também se dedica à ampliação de tecnologias assistivas às pessoas com deficiência, alguns exemplos de recursos de TA utilizados nos atendimentos são: lupas eletrônicas, audiodescrição, soroban adaptado, livros falados, bengala longa, máquina de escrever Braille e Linha Braille.
Para Andréia Aparecida da Silva Queiroz, revisora de Acessibilidade na Fundação Dorina Nowill para Cegos, o ideal seria que as pessoas com deficiência não dependessem apenas das tecnologias assistivas para terem acesso às informações na internet ou em aplicativos, mas que, tanto sites ou aplicativos, já fossem acessíveis.
“Em muitos casos, nem mesmo as mais potentes tecnologias conseguem passar informações por falta de acessibilidade. As “Tecnologias Assistivas”, independentemente de serem simples ou “mega potentes”, nos proporcionam autonomia, independência e acesso às informações como qualquer outra pessoa da sociedade, de igual para igual”, disse Andréia.
Mais inclusão nos cinemas
Foi pensando na inclusão de pessoas com deficiência visual e auditiva que o aplicativo PingPlay foi desenvolvido pela empresa brasileira ETC Filmes. A plataforma exibe conteúdos acessíveis nos cinemas e em casa para pessoas com essas condições.
O aplicativo usa uma tecnologia de sincronização através do áudio, que faz com que os recursos de acessibilidade sejam exibidos no celular simultaneamente com o filme.
Para isso, basta fazer o download do conteúdo e clicar em sincronizar no início do longa.
O app utiliza a tecnologia de fingerprint para o sincronismo do áudio, explicou ao Byte Cássio Koide, CEO da ETC Filmes. A plataforma conta ainda com tecnologia DRM — que codifica o conteúdo impedindo que não autorizados obtenham acesso — bloqueio por geolocalização e criptografia de ponta a ponta para segurança, além da certificação TPN Gold para tratamento dos materiais.
O PingPlay está disponível no sistema iOS e, em breve, estará disponível no Android.
“A acessibilidade já é obrigatória nos cinemas há um ano, e todos os filmes e cinemas já estão preparados. Nossa maior dificuldade é levar essa informação para o público consumidor e principalmente fazê-lo consumir desse direito”, disse Koide em entrevista.
Redes sociais
O influenciador digital Fernando Campos tem mais de 360 mil seguidores no Instagram e usa a plataforma para mostrar sua rotina com a tecnologia sendo uma pessoa com deficiência visual.
Um dos seus vídeos, com mais de 70 mil visualizações, fez sucesso com o tema: “Como os cegos usam o WhatsApp?”. Na produção, o influencer mostra os recursos oferecidos pela plataforma para facilitar a comunicação. “Muitos pensam que para falar com a gente precisa mandar áudio, mas não é bem assim”.
“Com serviço de acessibilidade do celular eu realizo todas as minhas atividades, mando e-mail, atualizo redes sociais, faço contatos, escrevo os roteiros dos vídeos no computador com o leitor de tela, que é um sintetizador de voz que transforma texto em áudio”, explica ao Byte.
“A tecnologia revolucionou as possibilidades de comunicação para todo mundo e para as pessoas com deficiência não foi diferente”, completou.
No Instagram e no Facebook existe a possibilidade do texto alternativo, em que os usuários podem adicionar uma descrição nas configurações.
Essas ferramentas ajudam Fernando a se comunicar com seus seguidores e a acompanhar o que as páginas que ele segue estão postando.
“Eu sempre peço para que as pessoas, quando postar em fotos, coloquem lá no texto alternativo; que é uma ferramenta de acessibilidade que o Instagram fornece. Ou seja, para que a pessoa descreva a imagem e aí depois eu consigo ler com o leitor de tela”, afirma.
Ao Byte, o influenciador conta que recebe muitas mensagens de pais e mães agradecendo por seu trabalho, pois, desde que seus filhos perderam a visão, passaram a acompanhar as dicas de inclusão por meio das tecnologias.
“Tá sendo didático para mim, eu tô entendendo muita coisa que eu não sabia antes sobre a vida da pessoa com deficiência porque era uma coisa que era muito estereotipada, não tinha muito espaço na mídia e a internet abriu muito espaço para isso”.