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Os mundos de Ivair Gontijo, engenheiro brasileiro na NASA

Se você acha que há territórios e objetivos distantes demais para se alcançar, é porque não conhece o mineiro Ivair

22 set 2023 - 06h30
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Ivair Gontijo
Ivair Gontijo
Foto: Arquivo Pessoal

Como um bom mineiro que sabe contar histórias, daquelas que a gente pode passar horas ouvindo em torno de uma fogueira, Ivair Gontijo me contou que, inicialmente, queria que seu livro se chamasse “Tango Delta Nominal”. 

Isso porque, na noite de 5 de agosto de 2012, essas eram as palavras que todos aguardam ouvir dentro do JPL, o Jet Propulsion Laboratory da NASA, na Califórnia, onde o engenheiro brasileiro trabalha. O código significava pouso com sucesso do rover Curiosity no planeta Marte.

“Tango Delta Nominal”, ouviu-se o anúncio da sala de controle. Foi a operação do mais complexo veículo robótico já lançado para outro mundo. Ivair, responsável pela construção do coração do radar usado na descida do Curiosity no planeta vermelho, diz que “é preciso ser muito otimista para pensar que um negócio desses vai dar certo”.

Mundos diferentes

Acontece que esta não foi a primeira viagem de Ivair a outros mundos. Ele nasceu em Moema, uma pequena cidade do interior de Minas, onde nasceu, também, o Rio São Francisco. Uma terra que parece conter diferentes planetas dentro dela, alguns até parecidos com a Lua, viu. Eu vi.

De lá, ele viajou para grandes universidades pelo mundo. Fixou residência nos Estados Unidos. Entrou na NASA. Descobriu que poderia, junto de outras tantas pessoas tão otimistas quanto ele, levar a humanidade para Marte. Levou o Curiosity para o planeta vermelho. 

Depois, o Perseverance, rover que pousou por lá em 2020. Viu as primeiras fotos do terreno marciano – hoje, todos nós podemos vê-las também. Acredita que estará vivo para ver o homem pousar em Marte.

Em uma sala gelada e desabitada do centro de convenções do WTC, em São Paulo, onde ele deu uma palestra para mais de 500 empresários e profissionais de tecnologia no evento Elite Partner Conference, da ScanSource Brasil, entrevistei Ivair em uma conversa que durou pouco mais de 10 minutos. Foi o que a gravação no meu computador me mostrou depois. Mas ele não estava com pressa. Também não passou pela minha cabeça contê-lo ali, por mais tempo, só para ganhar minutos e caracteres. Ele já havia me dito tanto que eu só queria mesmo era absorver tudo aquilo.

No fim, o livro de Ivair, uma biografia misturada com uma fascinante obra de ciências, foi publicado com o nome “A caminho de Marte: a incrível jornada de um cientista brasileiro até a NASA”. Nada mau também. Inclusive, não é todo dia que um engenheiro, físico e cientista ganha um reconhecimento literário - o prêmio Jabuti, em 2019.

São tantos mundos que Ivair Gontijo consegue enxergar que quase dá um nó na cabeça. Quase. É porque ele sabe falar sobre todos eles de tal forma que a gente consegue percebê-los também, como se estivessem ali, ao nosso alcance. Estão?

Um papo com Ivair

Você veio ao Brasil para dar palestra a uma audiência de empresários. O que um cientista da NASA tem a ver com o mundo corporativo?

O Brasil tem engenheiros e cientistas que são tão bons quanto qualquer outro no resto do mundo. Esses engenheiros que trabalham em empresas brasileiras têm direito de sentir todo o orgulho do trabalho que eles fazem, e a gente tem que mostrar isso. O engenheiro brasileiro é bom e trabalha muito bem.

Você não é um caso único, você diz, certo?

Com certeza, no centro da NASA onde eu trabalho tem pelo menos 20 brasileiros, todo mundo muito bom. E acho importante mostrar e falar para as pessoas sobre ciência, tecnologia. É algo que sempre me empolga falar para qualquer audiência.

Também tem o fato de a exploração do espaço ser atraente para todos?

Em qualquer área do conhecimento e dos negócios, as pessoas têm uma ligação profunda com o espaço, com o universo. A astronomia foi a primeira ciência a ser inventada. Todo o mundo tem essa conexão.

Você acha que é algo natural do ser humano essa curiosidade pelo espaço?

Tem gente inclusive que diz que, olha, somos a parte consciente do universo que olha para si mesmo. Imagine que a molécula de hemoglobina, que tem aqui no nosso sangue, tem ferro, e esse ferro foi sintetizado no núcleo de uma estrela que explodiu nessa região próxima que muito mais tarde foi formar o nosso Sol. Então, nós somos poeira estrelar, mas consciente. Existe essa ligação profunda, sim.

Alto investimento junto com altíssimo risco: está aí uma combinação explosiva. Tem muito dinheiro, mas também muita coisa que pode dar errado nessas missões em que você trabalha. Você sente essa pressão, ou uma ansiedade, por ter tanta responsabilidade nas mãos?

Claro, todo o mundo que trabalha nessas missões tem uma pressão enorme. E tem também os deadlines. A gente depende do alinhamento dos planetas para lançar uma missão, e se não lançar na data correta uma missão para Marte, só depois de 26 meses que você vai poder fazer isso de novo. Isso tem consequências. Quando a missão do Curiosity não ficou pronta na data certa - era para ter sido mandado em 2009 e foi lançado em 2011 - isso custou 400 milhões de dólares a mais. Tem uma pressão enorme para que a gente faça as coisas a tempo, mas também não vai lançar uma missão se houver um grande risco de não saber se o que fizemos está certo ou não. Não vai ser lançado se a gente não puder testar.

É tipo avião decolando, né? Só decola se tiver certeza de que tudo foi feito da forma correta.

Exatamente. Se você não tiver feito absolutamente tudo para que dê certo, então é melhor não lançar.

Essa cautela pode ser um principio válido para quem toma decisão de negócio?

Depende do nível de risco que cada pessoa e cada empresa está confortável para assumir. Tem certas coisas que valem a pena correr mais risco, tanto que a NASA tem vários níveis de missão. Esse tipo de missão para Marte é das mais caras, então a gente quer diminuir o risco e garantir que fez tudo pra dar certo. Mas há outras tantas missões muito mais baratas onde se corre muito mais risco, por exemplo um satélite que vai para a órbita da Terra para fazer um estudo muito especifico sobre o clima. Se der errado, o custo não foi muito grande, então é possível correr mais risco. É sempre esse jogo entre o risco e o custo.

Para que você trabalha? O que você desejar ver como resultado do que você faz?

Uma das grandes perguntas da humanidade é: será que a vida se formou em Marte também? Porque todas as evidências que a gente tem é que o planeta, três ou três e meio bilhões de anos atrás, era muito parecido com a Terra. Tinha água líquida, tinha material orgânico, tinha rios correndo lá, então com certeza choveu muito em Marte, em dias muito distantes. Nessa época, a vida estava se formando aqui na Terra. Será que se formou lá também? Se formou, quem sabe a gente vai descobrir isso nessas amostras que vamos trazer daqui a 10 anos? [Em referência à missão Mars Sample Return, que pretende trazer à Terra as primeiras amostras de material geológico do planeta vermelho] E se não se formou, por que não? Por que a Terra é tão diferente? Então, essas grandes perguntas que a humanidade sempre teve são os maiores motivos pra gente fazer isso. Responder esse tipo de coisa. Estamos sozinhos no universo? Porque a vida tem que ter se originado em algum lugar primeiro. Pode ser que nós tenhamos sido os primeiros. Pode ser o contrário também, que somos todos marcianos, que a vida se formou lá, um asteroide colidiu com Marte, formou uma cratera enorme, rochas marcianas vieram para Terra carregando vida nelas e aqui caíram.

Essa é uma teoria também, né?

A teoria da panspermia. E se a vida se desenvolveu aqui? Pode ser isso também, a gente não sabe. Imagina se a gente descobrir bactérias ou alguma outra forma de vida que tem DNA que é exatamente igual ao nosso, com mesmo tipo de aminoácidos, e que não seja contaminação que a gente levou para Marte numa dessas missões? Essa seria uma das grandes descobertas da humanidade.

Nós – eu e você – podemos não estar mais aqui quando essas perguntas forem respondidas, certo? Você consegue se sentir realizado e satisfeito mesmo com essa possibilidade?

Eu gosto de brincar com uma história que inclusive eu conto no meu livro. Quando a gente estava construindo o radar do Curiosity, estava tudo atrasado, e eu fui numa oficina mecânica perto de San José, de São Francisco. Eu falei com eles: olha, daqui a dois mil anos, pode ser que a gente tenha arqueólogos humanos trabalhando em Marte e eles vão descobrir lá, enterradas nas dunas, essas espaçonaves antigas. E vão dizer: nossa, como era primitivo! Mas essas mãos que construíram isso, apesar da tecnologia primitiva, sabiam o que estavam fazendo. Foram eles que deram os primeiros passos para a gente chegar no planeta Marte. Eu acho que isso realiza qualquer um.

Pra você, o que o maior entendimento do espaço te ensina sobre a vida na Terra?

Vida é uma coisa frágil, né. São várias culturas que chamam a Terra de mãe, e enquanto a gente está fazendo o que chama do “terraforming” em Marte [processo de modificar um planeta para que ele tenha uma atmosfera habitável], para que a vida funcione bem lá, estamos fazendo o contrário no nosso planeta, que fica cada vez mais hostil à vida. Isso mostra o quanto a gente precisa cuidar dele.

(*) Silvia Paladino é jornalista e escritora especializada em narrativas de não-ficção, com pós-graduação em Escrita Criativa pela Universidade de Berkeley, na Califórnia. É autora de três biografias de empresários brasileiros. Colaborou com veículos setoriais e da grande mídia, como Folha de S. Paulo, e foi editora de CRN Brasil, uma das maiores revistas de tecnologia do mundo. É sócia-fundadora das agências essense e Lightkeeper, coâncora do podcast Vale do Suplício e editora do projeto Destino Paralelo.

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