Vara com tela e sensor e apps acha-peixe; como é a pescaria tecnológica
Varas inteligentes, sistemas de rastreamento e acessórios eletrônicos garantem mais peixes; tecnologias contribuem para a produtividade
Aquele dia de pescaria só com uma mera vara de bambu, um anzol, a isca e o fio de nylon é um cenário que os mais profissionais devem achar coisa de quadrinhos do Chico Bento. As tecnologias transformaram a forma tradicional de pescar com câmeras, sensores e aplicativos próprios.
Um exemplo é a tecnologia da empresa dos EUA FishEyes, que anexa ao final da linha uma câmera que permite observar os peixes na água por meio de uma tela LCD colorida. Assim, fica bem mais fácil descobrir onde os peixes estão para pegá-los, sem ficar horas na espera. Os sensores fixados às varas conseguem capturar diferentes dados da pescaria.
O arbalete, um tipo de vara em formato de rifle lançado há alguns anos, também possui um arpão e permite acoplar uma mira telescópica para o tiro certeiro.
Há ainda tecnologias de mapeamento que apontam as áreas de possíveis cardumes. Esses sistemas usam satélites para localização dos grupos de peixes e estão disponíveis em versões para diferentes bolsos.
Um exemplo é o FishDope, software que promete mostrar os relatórios mais atuais de peixes por localização, gráficos de concentração de clorofila e outros dados. Mas funciona só nos EUA, ao preço de US$ 169 (R$ 880) por ano.
Aplicativos conectam pescadores
Apps sobre pesca como Fishing Points e Fishbrain têm se tornado populares para identificar melhores locais e conectar pescadores que queiram trocar ideias, compartilhar as capturas, atualizar sobre as melhores iscas e conhecer as condições do clima. Algumas dessas plataformas estão disponíveis em versão grátis.
Outra tecnologia do mundo da pesca, mas um pouco polêmica, é o espinhel, que funciona como uma rede composta pela linha central e ramificações com anzóis nas pontas. Em versão tec, toda atividade deste objeto é controlada por computador, que monitora até a temperatura da água e o tempo da captura de um peixe em cada anzol.
Pela extensão das linhas que chegam a ser usadas, capturando toneladas de peixes, o uso é contestado por causar maior impacto ambiental.
Outras possibilidades que vêm da internet das coisas na pesca esportiva são sincronizar aplicativos com os instrumentos de pesca, rastrear os locais ideais para pescar e realizar a pesagem durante a atividade. Os mais abonados podem usar barcos controlados por iPad, com diferentes recursos para o lazer e a pescaria.
Maior sustentabilidade
Mas não é só para a pesca de lazer que as tecnologias contribuem. A pesca sustentável protege a fauna marinha e diminui a captura indiscriminada de espécies que não são o alvo. Além disso, aumenta a qualidade do pescado, favorecendo até mesmo as exportações.
De acordo com a Embrapa Pesca e Aquicultura, as tecnologias mais sustentáveis permitem obter certificados e selos para as indústrias pesqueiras que seguem práticas recomendadas internacionalmente, o que a levar a ser melhor avaliada em diversas regiões.
Adriano Prysthon, engenheiro de pesca e pesquisador da Embrapa, ressalta que a tecnologia pesqueira beneficia as três modalidades: industrial, esportiva e artesanal.
As inovações prevalecem na pesca industrial, que emprega embarcações de alto custo, com autonomia para navegar entre oceanos e com grande capacidade de captura, processamento e congelamento.
A modalidade industrial também tem maior impacto ambiental e a modernidade permitiu tornar a atividade mais sustentável. Redes de cerco para atum, muito usadas no Atlântico Norte, incluem por exemplo dispositivos ultrassônicos repelentes de golfinhos e baleias. “É um grande avanço, adotado por muitos países e que se tornou lei em boa parte deles”, ressalta Prysthon.
Na pesca esportiva, Prysthon entende que as tecnologias também trabalham a favor por meio das varas inteligentes, aparelhos e aplicativos que garantem a captura. Já a artesanal é a que ocorre em menor escala, normalmente em regime familiar, gerando trabalho, renda e segurança alimentar.
A Embrapa desenvolveu uma cartilha para divulgar e orientar, de maneira prática, pescadores e multiplicadores do rio Araguaia (TO) sobre a aplicação correta das iscas artificiais. “É uma tecnologia barata, de fácil acesso e manuseio, que aumenta em 50% a produtividade. São pequenos avanços tecnológicos que contribuem muito para um público carente”, ressalta o pesquisador da Embrapa.
Para Eduardo Makoto Onaka, pesquisador do Instituto de Pesca da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, a pesca esportiva se beneficiou bastante com os avanços. Principalmente no uso de materiais mais resistentes, deixando os equipamentos mais leves e ergonômicos.
"Hoje em dia é possível utilizar um equipamento extremamente leve e capturar exemplares bem maiores que antigamente, sem o risco de o material quebrar, como também usar carretilhas elétricas que fazem o recolhimento da linha e ajudam muito o pescador de águas profundas", diz.
Nas invenções recentes, Onaka destaca os motores elétricos com GPS integrado que fazem a embarcação seguir determinadas rotas ou mantê-la em posição fixa automaticamente, deixando o pescador com as mãos livres. Outra delas são os os óculos polarizados, que permitem visualizar melhor o peixe dentro d'água.
Falso estigma
É importante lembrar que a pesca no Brasil e no mundo sofre por práticas ilegais. Apesar da legislação que regula a atividade, a vida marinha é frequentemente afetada pelas capturas indevidas. “Pesca ilegal existe, mas isso é uma questão ética, para regular e punir quem pratica”, pontua Prysthon.
Ele também chama a atenção para o falso estigma do impacto ambiental atribuído à pesca. “A redução dos estoques [da vida marinha] ocorre pela poluição urbana, pelos grandes empreendimentos, áreas devastadas, construção de hidrelétricas e os efeitos da mudança climática. Olhando para tudo isso, a pesca em si é um item lá no fim da lista”, conclui o engenheiro.