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Será que é mesmo hora de aposentar o Volkswagen Gol?

Prestes a sair de linha, o carro brasileiro mais vendido de todos os tempos surpreende e volta à liderança, mas não vai sobreviver em 2023

14 jul 2022 - 11h50
(atualizado em 15/7/2022 às 11h54)
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Volkswagen Gol: o carro mais vendido do Brasil na quinzena de julho.
Volkswagen Gol: o carro mais vendido do Brasil na quinzena de julho.
Foto: VW / Divulgação

O Volkswagen Gol está com os dias contados. O carro brasileiro mais vendido de todos os tempos sairá de linha no final deste ano e será substituído por um modelo inédito da Volks. Mas, para surpresa de todos, o Gol voltou a ser o carro mais vendido do Brasil nas últimas semanas. Neste 14 de julho, o VW Gol está em 1º lugar com 3.960 vendas, contra 3.689 da picape Fiat Strada, que aparece em 2º.

Será que é mesmo hora de aposentar o Volkswagen Gol? Bem, à luz da globalização e das atuais demandas dos consumidores de carros, o Gol já deveria ter saído de linha ou sido totalmente renovado antes do final da década passada. A atual geração do Gol é de 2008, ou seja, ele está na estrada há 14 anos sem grandes modificações.

Mas, por outro lado, mesmo defasado e com 81% de vendas diretas, o Gol atende às necessidades de milhares de brasileiros. É um carro confiável e robusto para uso no dia a dia, tem mecânica conhecida, um porte adequado para jovens ou casais de classe média e seu porta-malas comporta 280 litros.

O Gol pode ser usado sem medo na cidade ou na estrada, no asfalto ou na terra, na lama, no barro ou no seco, na chuva ou na fazenda, e não precisa passar horas conectado a uma tomada de energia elétrica. O Gol aceita gasolina ou etanol, tem um motor confiável e um câmbio eficiente. Pode ser adesivado para atender a uma empresa ou equipado para atender os jovens. O VW Gol é o carro mais customizado da história do Brasil, além de ser o mais vendido de todos os tempos.

Por tudo isso, ainda há 1,8 milhão de Gol rodando só no Estado de São Paulo, dos mais de 7,1 milhões vendidos em 42 anos.

VW Polo Track: não vai se chamar Gol, mas será o verdadeiro substituto.
VW Polo Track: não vai se chamar Gol, mas será o verdadeiro substituto.
Foto: VW / Divulgação

O Volkswagen Gol é o último carro genuinamente brasileiro, projetado no Brasil para atender os consumidores brasileiros. Se a Volkswagen quisesse, o Gol ainda poderia ter mais versões do que a única atual, 1.0 de 75 cv por R$ 75.490. Mas a Volkswagen não quer. Na verdade, dentro da própria VW do Brasil há quem queira e diga que "o Gol ainda é o carro que paga as contas". Portanto, ajuda a manter empregos e salários. Quem manda pensa diferente.

Por que a Volkswagen não quer mais fabricar o Gol? Porque, dentro do novo paradigma da indústria automobilística, é preciso fazer carros que utilizem a mesma plataforma, a mesma arquitetura, quase todas as mesmas peças do restante da linha; e essa arquitetura tem que ser a mesma para todos os países (ou para vários, quando não for possìvel unificar globalmente).

Mas o Gol não vai ganhar um nova geração? Não! O substituto real do Gol será o Polo Track, que é uma espécie de Gol melhorado ou de Polo mais acessível. Vão trocar o nome Gol, que se desgastou mas ainda vende, pelo nome Polo, que não vende nada.

Mas o novo Gol não será um mini SUV? Muitos jornalistas dizem que sim, mas isso não é confirmado. E mesmo que o nome seja mantido num inédito SUV ou num crossover de entrada, com certeza não será o que o Gol sempre foi.

Gol SUV: muitos jornalistas apostam nessa opção. Será mesmo?
Gol SUV: muitos jornalistas apostam nessa opção. Será mesmo?
Foto: Kleber Silva / KDesign

Qualquer SUV que chegue ao mercado, mesmo com porte menor e que use o nome Gol, será mais do mesmo. Já existem muitos SUVs compactos rodando. Então o novo VW Gol vai ser uma cópia modificada do Renault Kwid? Ou vai ser uma cópia do Fiat Pulse? Talvez uma variação do Caoa Chery Tiggo 2? Ou, quem sabe, um mini T-Cross, da própria Volks?

Melhor não. O Gol, quando nasceu, em 1980, chegou para inovar. Por isso, revolucionou o mercado brasileiro. O Gol representou o novo. Aqui no Brasil os carros mais acessíveis eram o VW Fusca, o Ford Corcel II, o Chevrolet Chevette e o Fiat 147 (único hatch). O Volkswagen Gol trouxe o conceito de um hatchback que podia ser, ao mesmo tempo, o carro do dia a dia, compacto e prático, mas que a família poderia usar na estrada com razoável conforto e velocidade.

Volkswagen Gol nos anos 1980: revolução no mercado brasileiro.
Volkswagen Gol nos anos 1980: revolução no mercado brasileiro.
Foto: VW/Divulgação

A Fiat levou quatro anos para responder com o Uno, mas ainda era uma sequência da ideia do 147. A verdadeira resposta veio só com o Fiat Palio, 16 anos depois do Gol. A GM respondeu 14 anos depois, com o Chevrolet Corsa. A Ford respondeu com 15 anos de atraso (1995) com o Fiesta. Somente em 2013, 33 anos depois do lançamento do VW Gol, a Ford acertou a mão, com o Ka da terceira geração. Mas aí já havia o Hyundai HB20, que revolucionou o segmento. Quando a GM lançou o Chevrolet Onix e ele passou a liderar o mercado, foi dada a prova definitiva de que as principais montadoras haviam aprendido a fazer o seu próprio Gol para o gosto brasileiro.

HB20, Onix e Ka nada mais eram do que um Gol de outras marcas. Só que a Volkswagen tinha parado no tempo. Ficou perdida entre renovar o Gol e lançar o Up, um subcompacto. Apostou no Up. Foi um desastre, apesar das qualidades técnicas do carro e do papel tecnológico que ele teve no portfólio da marca no Brasil. Depois, perdeu novamente a chance de mudar o Gol ao investir no Polo, um carro alemão. Mesmo encostado, o Gol continuou vendendo mais do que o Polo. Só que ficou defasado.

Quando a Volkswagen acordou para a nova realidade do mercado, o segmento SUV, estava "dez anos atrasada", segundo Pablo Di Si, atual CEO da VW América do Sul. Agora, que ironia, caberá ao próprio Pablo entrar para a história como o presidente que "matou" o Gol.

Sim, mais do que uma aposentadoria, a saída do Gol vai ser a morte de um ícone automotivo. Se sumir do portfólio da Volks, morrerá de velho (mas com a dignidade da atual liderança). Se virar um SUV, bem, será como uma pessoa trans: totalmente diferente do que era.

O Brasil hoje tem um mercado automotivo muito reduzido atualmente, abaixo de 1,994 milhão de veículos leves, segundo projeção da Anfavea. Há 33 milhões de pessoas passando fome nas ruas. Os carros mais baratos são caríssimos devido a uma série de fatores. O Fiat Mobi custa R$ 63.390 e o Renault Kwid sai por R$ 64.690.  A classe média deixou de comprar carro. A classe B que ainda tem algum dinheiro foi para o mercado de usados. A classe A paga horrores para ter um SUV hiper mega conectado ou no mínimo R$ 144.990 (preço do Caoa Chery iCar, o EV mais barato).

Este pode até ser o momento certo para a Volkswagen se livrar da velha plataforma PQ-24 na fábrica de Taubaté, onde são produzidos o Gol e o Voyage, e iniciar vida nova no segmento do Gol com a moderna plataforma MQB, modular. Mas, certamente, não é o timing certo para os consumidores brasileiros. O que o brasileiro menos precisa hoje é de um novo SUV. Ele precisa, isso sim, de um carro que tenha um preço inferior ao da dupla Mobi e Kwid, porém maior e melhor do que eles. Só o Volkswagen Gol poderia ser esse carro.

Unidades do Gol na fábrica de Taubaté: plataforma PQ-24 ficou defasada.
Unidades do Gol na fábrica de Taubaté: plataforma PQ-24 ficou defasada.
Foto: VW / Divulgação
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