Volks joga como Tite; Fiat e Chevrolet, como Argentina e França
O que a Copa do Mundo pode ensinar para a indústria de carros no Brasil; Volkswagen segue o paradigma do Brasil de Tite, sem ousar
A Copa do Mundo Fifa acabou com a Argentina campeã, a França superando suas adversidades e o Brasil vivendo do passado. O que o torneio de futebol pode ensinar para a indústria de carros no Brasil? Muita coisa. Num mundo de mudanças constantes e imprevisíveis, ganha quem não tem medo de errar.
A principal lição que fica é para a Volkswagen, que parece jogar como o Brasil de Tite: avesso a alterar a tática durante o jogo, lento para modificar decisões estratégicas e apegada ao passado de glórias. Não estamos aqui falando de lucratividade ou de qualidade de engenharia, mas sim de posicionamento de modelos e de ocupação de espaços.
Fiat e Chevrolet, ao contrário, jogam como Argentina e França, com elementos das duas seleções. Se for preciso mudar, mudam. Se é para atacar, atacam. Se precisam defender, defendem. Se precisam tirar um personagem de sucesso para colocar outro em seu lugar, tiram. Vamos aos carros para deixar isso mais bem explicado.
A Fiat tem o seu Messi: é a picape Strada. Há décadas é a referência de seu segmento, mas precisou se reinventar para ser verdadeiramente a estrela que a seleção da Fiat precisava. O jogo agora gira em torno da picape Strada. O Fiat Toro, coadjuvante, é uma espécie de Di Maria. Juntas, as picapes Fiat Strada e Fiat Toro já emplacaram 155 mil unidades este ano.
O Fiat Strada era só uma picapinha, mas em sua nova geração aglutinou clientes de outros segmentos, como hatches e sedãs compactos. Carros inéditos e ousados, como o Pulse e o Fastback, compõem um time que não tem outro objetivo a não ser o título de campeão (a Fiat é disparada a marca mais vendida do Brasil).
A Chevrolet, campeã de marcas antes da Fiat, nem sempre domina o jogo, mas, como a França, explora os erros de seus adversários. Tem uma linha de ataque mortal, como se Onix (hatch), Onix Plus (sedã) e Tracker (SUV) fossem o próprio Mbappé. Quando disparam para o ataque, ninguém segura.
Juntos, os Chevrolet Onix, Onix Plus e Tracker venderam 217 mil unidades este ano – é a família de carros de maior sucesso no Brasil. O Chevrolet Onix tem seis títulos seguidos de campeão nacional de vendas (2015 a 2020), assim como Messi tem sete bolas de ouro como melhor jogador do mundo (2009, 2010, 2011, 2012, 2015, 2019 e 2021).
Livre de paradigmas do passado, a Chevrolet se reinventa de tempos em tempos. E possivelmente será dela o lançamento mais estrondoso da próxima temporada: a Nova Montana. Porque a Chevrolet joga como a Argentina jogou após perder para a Arábia Saudita na estreia: como se cada jogo fosse um mata-mata.
E a Volkswagen? Por que se parece com o Brasil de Tite? Primeiro, porque vive das glórias do passado, quando dominava o mercado de carros, assim como o Brasil foi a referência do melhor futebol do mundo durante décadas.
Mas, como Tite, que perdeu a Copa de 2018 e não mudou, a Volkswagen perde e não muda. Cansou de perder no segmento de picapes pequenas, mas até hoje insiste na mesma plataforma do VW Saveiro. Poderia ter apostado na picape Tarok, que seria o que será o novo Chevrolet Montana 2023, mas preferiu abandonar o projeto.
O velho e amado Gol é como um Daniel Alves, mantido no jogo sem a menor condição de ser competitivo. O Gol ainda dá lucro (toca pandeiro de vez em quando), mas porque vive de vendas diretas. Assim como Tite, a Volkswagen é lenta nas decisões estratégicas. Demorou mais de cinco anos para entrar forte no mercado de SUVs porque preferiu investir no subcompacto Up.
A Volks poderia ter feito um Nivus GTS, pois seu SUV cupê praticamente implora por uma versão esportiva. Não fez. Então a Fiat fez o Pulse Abarth e logo terá um Fastback Abarth.
A grande aposta da Volkswagen em 2023 vai ser a linha Polo. Novo Polo 2023 e Polo Track. Ou seja: vai, de novo, apostar em seu Neymar – um ótimo quadro que nunca ganhou a simpatia e a confiança de toda a torcida. Aliás, por coincidência, o Polo tem uma publicidade futebolística substituindo o Gol.
Tite teria feito exatamente isso. Por que colocar a Nova Saveiro como prioridade se podemos transformar um Polo em dois Polos e continuar atuando como sempre atuamos, no segmento de hatches compactos? Somos os melhores, os outros é que precisam se preocupar com a gente. Ah, e não vamos falar de carros elétricos agora, é muito cedo.
Por óbvio, essas comparações são apenas para exemplificar como a Fiat e a Chevrolet são mais ousadas do que a Volkswagen no mercado brasileiro de carros. Não devem ser levadas ao pé da letra. Se olharmos para o lado técnico, é muito provável que, na média, os carros da Volkswagen sejam superiores aos da Fiat e da Chevrolet.
Mas vivemos num mundo líquido (Bauman), em ambiente de mudanças constantes e repleto de incertezas. Para ganhar este jogo, não basta ter os melhores carros ou os melhores jogadores. É preciso ser ousado para alterar a tática, estar aberto a uma mudança de estratégia, jogar seu paradigma no lixo e adotar outro.
Fiat e Chevrolet fazem isso melhor do que a Volkswagen. Assim como a Argentina de Messi, Di Maria, Martínez e Scaloni e a França de Mbappé, Giroud, Griezmann e Deschamps fizeram melhor do que o Brasil de Tite, Neymar, Daniel Alves e Alisson.