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Humor sofisticado de Woody Allen está em "Celebridades"
Por força das oscilações do mercado brasileiro, os últimos filmes de Woody Allen têm demorado para chegar ao Brasil. Celebridades é de 1998, só agora aterrissa nas telas do País. Allen já fez dois filmes depois. Celebridades não representa o melhor da obra do diretor, mas é Allen com seu humor sofisticado e inteligente. Talvez deixe um tanto a desejar - apesar das piadas ótimas - por causa da relação ambivalente que o ator e diretor, aqui só na segunda função, tem com o tema.
Allen fez esse filme para discutir o culto das celebridades na sociedade atual. No fundo, ele não pensa como Andy Warhol, que dizia que todas as pessoas terão direito a 15 minutos de fama. Allen sabe que milhões não terão fama, em momento algum, nem por um minuto, mas quer discutir esse fenômeno contemporâneo que faz com que a fama seja o mais precioso dos bens, talvez porque costume trazer junto o dinheiro. No mundo atual, cada vez mais pessoas estão dispostas a tudo para sair do anonimato.
Neal Gabler escreveu um livro precioso sobre o assunto - "Vida, o Filme" (Companhia das Letras), com o subtítulo "Como o Entretenimento Conquistou a Realidade", discute a cultura de massas a partir do culto à imagem que, segundo o autor, se tornou a ideologia dominante na virada do milênio. Pode ser que Allen não tenha lido o livro de Gabler, mas, por experiência própria, sabe do que se trata. Ele é uma celebridade, até para quem não se digna a ver seus filmes. Em média eles fazem 200 mil espectadores no Brasil cada, mas um número muito maior de brasileiros sabe quem é Allen. Muitos (a maioria) acompanharam pela mídia a lavagem de roupa suja que foi o processo de separação do diretor e Mia Farrow.
É uma das características desse culto à celebridade. Há hoje o que já está sendo chamado de neovoyeurismo. Cada vez mais há público interessado na intimidade dos outros. O próprio Allen disse que teve a idéia para o filme depois que estourou o escândalo Bill Clinton-Monica Lewinsky. Para ele era inconcebível - mas dizia muito sobre a sociedade em que se vive - o fato de uma pessoa adquirir tal notoriedade por ter feito sexo oral com o presidente dos EUA.
Foi assim que Celebridades começou a tomar forma. Kenneth Branagh interpreta o papel que Allen poderia ter reservado a si mesmo, se quisesse ser também ator, além de diretor (como tantas vezes em sua carreira). Branagh é um jornalista que tem o projeto de escrever um livro. Persegue a tal notoriedade. Todas as pessoas ao seu redor a conseguem, até a mulher (Judy Davis) que ele abandonou seduzido por uma jovem. Branagh sonha com um grande livro que seja uma reportagem crítica sobre a sociedade atual. Leva uma vida meio errática - fazendo sexo com a atriz que entrevista (Melanie Griffith), perseguindo uma garota de comportamento libertário que não resiste a ir para a cama com qualquer homem que cruze seu caminho (Winona Ryder) e por aí afora.
Escaldado por sua experiência, Allen mistura celebridade e sexo. A participação de Carlize Theron como a top model e a de Leonardo DiCaprio como o divo de Hollywood que arrebenta o quarto de hotel fazem parte dessa vontade de falar sobre coisas que estão no ar. O diretor é crítico, mas também ambivalente. Como toda "vítima" da celebridade, sem direito a privacidade, perseguido por Deus e o mundo, ele também sabe que provavelmente não conseguiria retornar ao anonimato. A celebridade é uma faca de dois gumes - ao mesmo tempo que oprime, incomoda, ela também permite ao artista expressar-se, às pessoas em geral realizarem seus sonhos (mesmo que seja só os de consumo). Daí a ambivalência. O filme começa e termina com um pedido de socorro escrito no céu, mas termina na cara de quem sonhou com a celebridade e não a alcançou. O pedido de socorro é claro - permanecer anônimo é o pior dos pesadelos nessa era em que virar célebre nem que seja só por 15 minutos é a ideologia dominante.
Celebridades estréia em São Paulo, mas não no Rio. Lá o lançamento foi retardado por uma semana, pelo menos, para que o filme possa passar no 2.º Festival do Rio BR, que tem outro filme de Allen na programação - Sweet and Lowdown, que vai passar no Brasil como "Poucas e Boas". Depois desses ele já fez Small Time Crooks, que estreou no Festival de Veneza deste ano. Allen é um fenômeno de criatividade no cinema atual. Faz um filme por ano, todos os anos. Escreve, dirige e monta. Não arrebenta nas bilheterias, mas tem um público interessado e fiel para suas sutilezas.
Como filme, Celebridades é divertido. Não é hilário, ou só raramente se propõe a sê-lo. O humor de Allen não é pastelão. É mais intelectualizado, operando mais na área da inteligência que do físico. É sempre um prazer ver como ele constrói a cena, elabora o gag e dirige seus atores - seus coadjuvantes costumam ser fortes candidatos ao Oscar, mas eventualmente ocorre de os protagonistas também serem. Diane Keaton ganhou o prêmio da academia por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), Sean Penn foi indicado por Poucas e Boas. Celebridades tem a marca do diretor, mas a sua ambivalência em relação ao que critica produz certo incômodo. Poderia ser grande, é apenas bom.(Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)
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