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"Esta noite foi um dia duro". Numa tradução aproximada, era este o título que anunciava o primeiro filme realizado com os Beatles. A expressão, em inglês A Hard Day’s Night, fora criada pelo baterista Ringo Starr, e não permitia correspondências lingüísticas. Os versionistas decidiram, então, esquecê-la. Na Itália, inspiraram-se em Alexandre Dumas e sacaram Tutti per uno (todos por um) para nominar a obra. Na França, chegaram a Quatre garçons dans le vent (algo como "quatro rapazes da onda"), que entusiasmou Paul McCartney. No Brasil, onde vanguarda é intuição, os Beatles se tornaram "Os Reis do Iê Iê Iê". Um exército de interesses favoreceu Richard, a quem a banda insistentemente chamava Dick. Eram todos jovens - diretor, atores, roterista - e relativamente baratos, o que favorecia o risco. Endeusados na Inglaterra, naquele ano de 1964 os Beatles ainda não haviam fulminado o coração americano. Quem precisa de ingleses, se Elvis está vivo? A United Artists percebeu que a gravadora da banda, a EMI, não registrara como seu o direito de distribuir trilhas sonoras. Num golpe de mestre, resolveu fazer primeiro um filme para então apresentar um disco inédito contendo as músicas de cena, e então ganhar o mundo. As razões para o sucesso de Lester, gênio da Filadélfia que aos 2 anos de idade, contam, soletrava 250 palavras, empolgam qualquer principiante. Ele tinha alguma experiência cômica, é verdade, advinda de seriados de tevê, e dirigira o impiedoso Peter Sellers no filme experimental The Running, Jumping and Standing Still Film. Mas nunca se arriscara em música, com exceção de uma sofrível passagem adolescente por aulas de clarinete e piano. O que o fazia um candidato ideal para os Beatles, e Shenson soube perceber isto muito bem, era sua irreverência, rebeldia e rapidez - em suma, seus 32 anos espertos. Lester quis saber como os Beatles eram, para então devolvê-los ao público. Sua concepção era a de um estranho realismo social. A Hard Day’s Night é um filme-verdade, embora banhado em nonsense. Jovem, o diretor conhecia o ingrediente que movia os novos rebeldes. O combustível de John, Paul, Ringo e George era a ironia. Ironia desmedida. Ironia dos homens secos de Liverpool. Ironia contra a sociedade, mas também contra si mesmos, contra a vontade de se dar bem. Em seguidas seqüências do filme, o que se vê é um John de 24 anos exibindo os dentes (os de Ringo estavam em melhor estado). Alun Owen, um galês, foi chamado por Lester para escrever o roteiro. Era originário do império das ilhas (um deles deveria ser, pelo menos) e um craque da revolução televisiva britânica, quando a principal moeda corrente, naquele momento, parecia ser a mudança. Owen fez George Harrison usar a expressão "grotty", significando grotesco, que se tornou gíria a partir do filme, embora Owen insista em dizer que aprendeu a expressão em Liverpool, onde morava. Como sugeriu Harrison certa vez, Owen e Lester ditaram aos Beatles a melhor maneira de eles se apresentarem como eram. E como eram os meninos de Liverpool? No filme, não muito diferentes de bebês hiperativos confinados no cercadinho. Num minuto, a mamãe não está e eles pulam fora, alegremente, sujando tudo. Mesmo no clima claustrofóbico de entrevistas à imprensa sempre medíocre, mesmo espremidos entre as fãs no trem e nas ruas, sim, mesmo assim eles riam de todos. O filme não erra ao mostrar a infelicidade do inebriante estado prisional. O personagem do velho "muito limpo", avô de Paul, interpretado por Wilfrid Brambel, ator de sucesso da tevê inglesa então com 52 anos, está ali para ensinar os meninos a usar a juventude que lhes resta e a jogar os livros fora. É um conselho e tanto, que favorece a entrada de Ringo Starr na trama. Ele é o melhor ator do filme, a grande surpresa, em que pese a participação demolidora de John (é especial vê-lo na banheira espumante afundando naviozinhos da Grande Inglaterra). Paul, reconhece o próprio Lester, orgulhava-se em demasia da arte de interpretar, e George, um sujeito sensato, fazia o que lhe pediam, mas Ringo foi decisivo. Numa coletiva de imprensa simulada, jornalistas são utilizados (o filme foi rodado em sete semanas e Lester improvisou a participação de figurantes, em alguns casos fãs reais correndo atrás dos quatro músicos no caminho da estação de Paddington). Ringo, levado por uma repórter a definir se se sentia um "mod" ou um "rocker", designações para as tribos roqueiras do período, responde: "Um mocker". Na expressão, está um jogo de palavras característico do filme. Ringo é o pensador involuntário que sintetiza a inspiração irônico-surreal da banda. Não é um rocker, não é um mod. É só um músico fazendo história, e também o alvo predileto das chacotas.
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Título
Original: A Hard Day's Night |
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