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Jackie Chan está em "Bater ou Correr", um western oriental
Oriente e Ocidente já se encontraram no western, em filmes como Comprei uma Escrava, de James Clavell, e Sol Vermelho, de Terence Young, entre outros. O primeiro talvez seja menos conhecido, mas, se você é cinéfilo, com certeza conhece a história do roteirista que virou autor de best sellers, quase todos adaptados para o cinema, e também exerceu a direção. Por mais apreciável que seja o trabalho de Clavell num filme como esse, apoiado nas diferenças culturais, esqueça-o. Sobre Sol Vermelho é melhor nem falar. Apesar do elenco (Alain Delon, Charles Bronson, Toshiro Mifune e Ursula Andress, no tempo em que era uma das mulheres mais sexys do mundo), é uma aventura decepcionante. Tudo isso agora é passado.
Se você é fã de westerns e de artes marciais não pode perder Bater ou Correr. Aliás, se você é fã de cinema não pode perder nenhum filme de Jackie Chan, embora essa seja, é claro, uma afirmação sujeita a controvérsia. Intelectual que se preza diverte-se com o mais torturado dos dramas metafísicos de Ingmar Bergman ou com o Alain Resnais que percorre com sua câmera os corredores de Marienbad. Não vamos aviltar achando que é possível divertir-se com Mike Myers na série Austin Powers (embora alguns intelectuais gostem). Aí também já é demais. Mas Jackie Chan e Jet Li são ótimos. Não admira que Hollywood tenha se curvado a esses astros de Hong Kong.
Não há osso do seu corpo que Jackie Chan já não tenha quebrado, por causa da mania de dispensar dublês nas cenas de perigo. Ele acha que, se o público paga para ver um filme "de" (ou "com") Jackie Chan, é desonesto que o ator principal não se arrisque nas cenas perigosas. O espectador sabe que é ele arriscando a pele e isso faz a diferença - embora, para falar a verdade, a idéia de apresentar os "cacos" de filmagem, as cenas que não deram certo nos créditos, já esteja cheirando a marketing. São cenas que devem ser rodadas como comédia, mesmo. A comédia, por sinal, é o outro reino de Jackie Chan. Não há ação, para ele, sem humor.
É o que ocorre em Bater ou Correr. O título, tanto o original ("Shangai Noon") quanto o brasileiro, faz referência a um western considerado clássico, mas que talvez seja só supervalorizado, de Fred Zinnemann - Matar ou Morrer (High Noon). No Brasil, no auge da chanchada, Carlos Manga já havia feito a paródia intitulada Matar ou Correr. Surge agora Bater ou Correr. Há um trem na trama, uma entrega de ouro, não necessariamente um duelo, marcada para o meio-dia (noon). Mas Bater ou Correr talvez esteja mais próximo de Butch Cassidy ou de outros westerns sobre duplas, claro que agora num contexto mais "étnico". É assim que Jackie Chan ganha um parceiro, um caubói autenticamente americano, interpretado por Owen Wilson.
Wilson, que no filme se chama Roy O'Bannon, é um assaltante um tanto covarde e atrapalhado. Junta-se a Jackie Chan quando o guarda imperial chinês, chamado Chon Wang, irrompe no Velho Oeste seguindo a trilha de uma princesa que foi seqüestrada por malfeitores - leia-se Lo Fong (Roger Yuan), um renegado da Cidade Proibida que está escravizando chineses na América e exige uma fortuna de resgate pela princesa. O filme desenvolve, em ritmo de paródia, dois temas fundamentais do gênero western - a vingança e a amizade masculina. Não é uma amizade fácil. O'Bannon e Wang precisam superar as diferenças, que não são só culturais.
Há cenas que fazem o inventário de diversos westerns - dos de John Ford aos de Sergio Leone. O nome do herói chinês soa como "John Wayne" e, lá pelas tantas, o amigo pergunta se isso lá é nome de caubói - uma brincadeira com o maior mocinho do cinema. O'Bannon, também lá pelas tantas, diz que vai trocar de nome e assumir o verdadeiro -Wyatt Earp. O filme é cheio de brincadeiras com os mitos que não ofendem e até agradam a fãs do gênero. Não falta o cavalo bêbado de Dívida de Sangue. O diretor é um estreante chamado Tom Dey, que veio da publicidade. Não se pode dizer que não tenha imaginação visual. Só para constar - Dey, colaborador da revista American Cinematographer, ficou famoso com um ensaio sobre o grande diretor de fotografia Gabriel Figueroa. Tem bom-gosto, o rapaz.(Agência Estado)
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