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Soldini
mostra Shirley Valentine italiana em "Pão e Tulipas"
Na literatura,
no cinema e algumas vezes na vida real, vai-se a Veneza para morrer. Rosalba,
a personagem de Pão e Tulipas, decidiu contrariar um mito perpetrado por
anônimos e grandes personalidades e escolheu a cidade italiana para voltar a viver.
Ela é a dona de casa que abandona o cotidiano maçante de marido e filhos por uma
aventura de reencontro, com direito a romance e fantasia, exatamente como sua
colega em 'Shirley Valentine'. O filme
de Lewis Gilbert fez sucesso em 1989, com Pauline Collins a renovar sua existência
numa viagem à Grécia. O italiano Silvio Soldini trabalha no mesmo registro e com
as qualidades que fizeram decolar a obra anterior. Simpático, bem-humorado, comovente
às vezes, bizarro em outras, o filme não é de matriz original, mas é diversão
competente.
Foi um dos títulos de destaque na última Mostra Internacional de São Paulo. Se
o público adorou e o júri carimbou o novelão açucarado - embora delicioso - Billy
Elliot, não será difícil para Pão e Tulipas fazer carreira. De hoje
até dia 18, o filme passa no Espaço Unibanco, em São Paulo. No dia seguinte, ganha
o reforço de cinco cópias. Rosalba, desatenta e desastrada, tem a força dos personagens
que sabem transformar sua realidade e fazer valer seu objetivo. O garoto Billy
faz o mesmo obrigando a família de operário machões (a mãe morreu) a aceitar que
ele dance. Não por acaso as platéias apóiam e se identificam com esses protagonistas
de um novo destino. É o cinema exercitando sua chave de sonho.
O de
Rosalba começa quando ela é esquecida pelo ônibus de excursão num restaurante
de estrada. Leva um esculacho do marido pelo celular. Ela, então, dá início a
seu processo de fuga. Pega carona, decide passar um dia em Veneza, mas perde o
trem de volta. Sem dinheiro, acaba acolhida por um garçom soturno e misterioso
(Bruno Ganz). A idéia de não voltar ao marido grosseirão e ao descaso dos filhos
vai se apresentando e se torna definitiva quando um velho anarquista a emprega
como ajudante em sua floricultura.
É um
dos bons recursos do diretor Soldini e o diferencial. Ele pinta um painel de tipos
da Itália tendo o drama de sua protagonista como aglutinador. Assim, Rosalba passa
a interferir também nos destinos das pessoas com quem convive, de seu senhorio,
que também representa um novo flerte romântico, à massagista vizinha de quem logo
se torna amiga. Até mesmo o detetive bonachão, contratado pelo marido, acaba enredado
na trajetória.
Soldini muitas vezes exagera nos tons. É divertido quando brinca com uma Itália
classe média e brega, criativo quando foge da visão turística da Veneza que o
mundo conhece, mas acaba por comprometer um tanto a construção dramática ao optar,
a certo momento, por um pastiche assumido. Mas não parece ser a proposta
do filme uma visão crítica da posição da mulher na sociedade. Se assim fosse,
Rosalba não suplantaria sua antecessora famosa. Shirley Valentine era mais ambiciosa,
competente e, principalmente, tinha a ver com seu tempo.
Gazeta
Mercantil
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