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"Absolutamente Los Angeles" mostra olhar estrangeiro sobre Hollywood
Mika e Aki Kaurismaki são diretores finlandeses que se tornaram conhecidos no Brasil por meio da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Mika tem uma relação forte com o Brasil. Sua mulher, Pia Tikka, dirigiu As Filhas de Iemanjá e ele próprio fez Amazonas e Tigrero, sobre o projeto que o americano Samuel Fuller não conseguiu concretizar no País. Mika já é "meio" brasileiro por adoção. Mika Kaurismaki é o diretor de "Absolutamente Los Angeles", um filme simpático, senão realmente bom.
Numa conversa por telefone, o diretor conta que se apaixonou pelo livro de Richard Rayner, Los Angeles Without a Map. De cara, quis adaptá-lo para o cinema. Amigo do escritor, Mika Kaurismaki conseguiu que o próprio Rayner escrevesse o roteiro com ele. É a história do dono de uma funerária em Bradford. Logo no começo, o personagem interpretado por David Tennant está no cemitério. Tem a visão de uma mulher deslumbrante - Vinessa Shaw. Ela vive em Los Angeles e Richard, o protagonista, não pensa duas vezes - larga tudo, até a noiva, para encontrar-se com a sua Barbara em L.A.
Ela trabalha num restaurante. Sonha com uma carreira no cinema. Casa-se com Richard, que também quer ser escritor. Ele tenta escrever roteiros de filmes, ela tem um pretendente que também quer ser diretor. Forma-se o triângulo em torno do qual evoluem os demais personagens - a garçonete interpretada por Juli Delpy, o baterista Vicent Gallo (que toca na banda dos Caubóis de Leningrado, o grupo de topetudos criado pelo irmão de Mika, Aki Kaurismaki). E, pairando sobre todos esses personagens está Johnny Depp. Como o mitológico Humphrey Bogart que dá conselhos para Woody Allen em Sonhos de um Sedutor, Johnny Depp deixa de ser simplesmente a figura no pôster de Dead Man, de Jim Jarmusch, pregado na parede da casa de Richard. Depp participa do relato comunicando-se por meio de olhares e gestos com o herói, antes de aparecer possivelmente como ele mesmo, numa festa em Hollywood em homenagem a uma diva.
Mika Kaurismaki conta o que o atraiu no livro de Rayner - foi o olhar do estrangeiro sobre Hollywood e o folclore ligado à indústria cinematográfica dos EUA. Hollywood sempre foi uma referência muito forte para ele. "Eles têm lá esse lado agressivo muito forte, a maneira como dominam os mercados de todo o mundo; Hollywood é um lugar de gente superficial e vazia, mas também há pessoas muito interessantes lá." E não é preciso citar pessoas criativas como o lendário Fuller, que Mika transformou em ator de Tigrero. Ele queria desmistificar Hollywood, mas não queria ser duro nem cruel. Queria fazer o filme temperado pela ternura que sente pelos gigantes hollywoodianos que ajudaram a fazer do cinema, ao longo do século, uma arte.
O trabalho com Rayner foi estimulante, conta Mika. No processo de adaptação do livro para a tela, ele teve de mudar muita coisa. Hesitava, porque adora o livro e queria ser o mais fiel possível. Rayner o incentivava a ser infiel, achando que só desse jeito seria possível captar a essência do texto. Não foi uma produção fácil de montar. "Poderia ter feito o filme com dinheiro americano, mas se o fizesse eles iriam interferir no projeto", conta o diretor. Ele montou, assim, a produção com capitais da Inglaterra, da França e da Finlândia. Foi difícil, trabalhoso ("A produção US$ 7 milhões é a mais cara de minha carreira"), mas Mika acha que dispôs de uma liberdade que seria impensável na Hollywood atual.
Ele é amigo de Johnny Depp, que aceitou trabalhar (de graça!) no filme em nome dessa amizade. A partir daí, tudo ficou mais fácil, até cooptar os demais atores. Mika queria David Tennant no papel de Richard. Foi quem lhe deu mais trabalho. Ele disse que teve de ver Tennant no teatro, fez testes, mas conseguiu convencê-lo. Anouk Aimée foi uma escolha total do diretor. No livro, há uma festa para uma diva que não importa quem seja. Ele quis Anouk. Amo Lola, conta. Ama tanto que presta uma homenagem ao diretor do filme, o francês Jacques Demy.
Mika acompanha a distância, mas com interesse, o lançamento de Absolutamente Los Angeles, em São Paulo. E anuncia que trabalha atualmente em novo projeto. É um documentário sobre a música brasileira. Chama-se Moro no Brasil e Mika espera concluir a rodagem até o fim de agosto. É um filme sobre músicos de rua, mas com a participação de Lenine, Carlinhos Brown e Hermeto Pachoal. Mika vai finalizá-lo na Alemanha. Espera participar com ele do Festival de Berlim do ano que vem.
(Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)
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