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Anjelica Huston faz fábula pré-feminista em "Agnes Browne"
Anjelica Huston levou um bom tempo para ser reconhecida, em Hollywood e no resto do mundo, por méritos um pouco mais notórios do que ser primeiro a filha de John e depois a mulher de Jack (Nicholson). Sempre foi visível a contra-indicação contida na proximidade com estes dois gigantes das telas: se fosse menos obcecada e voluntariosa, Anjelica estaria reduzida a apenas mais um sobrenome famoso. Mas ela sempre pareceu disposta a ir à luta sozinha, mandando a genética para escanteio.
Dona de um tipo físico sob medida para interpretar mulheres fortes, Anjelica Huston construiu tipos marcantes em filmes como Os Imorais e Os Vivos e os Mortos, último trabalho de seu pai. Em 96, decidiu que podia mudar de lado no set. Marcas do Silêncio, sua estréia na direção, revelou-se, ao abordar um tema tabu em qualquer sociedade - os abusos contra as crianças - um obra tão bela quanto incômoda. Três anos depois Anjelica retomou a direção e o resultado, a comédia dramática Agnes Browne - O Despertar de Uma Vida.
Irlanda, anos 60
Desta vez Anjelica optou por um enredo um pouco menos espinhoso. O filme se passa na Irlanda dos anos 60. Agnes Browne, personagem que empresta o nome ao filme e é vivida pela própria Anjelica, é uma viúva que já passou dos 30 anos, tem sete filhos pequenos e jura que ainda não sabe o que é orgasmo. Qualquer um desses fatores, isoladamente, já bastaria para acabar com o humor e demarcar com rugas o rosto de uma mulher. Agnes Browne, no entanto, parece ser mais forte.
Depois de perder o marido atropelado, Agnes mergulha no trabalho como feirante e recorre ao seguro social para cuidar dos filhos e manter a família unida.
Diverte-se bebendo cerveja preta com as amigas nos pubs e estaria disposta a se afastar definitivamente dos homens, não fosse um padeiro francês decidir montar um negócio bem na frente da sua barraca na feira.
Adaptado do romance The Mammy, de Brendan O'Carroll, "Agnes Browne" não vai muito além de uma fábula pré-feminista, disposta a provar que a redenção é sempre possível. Embora as aparências insistam em mostrar o contrário, no filme tudo conspira para a felicidade da personagem - o novo amor que surge ainda no início da viuvez, o acaso que coloca debaixo de sua porta as libras necessárias para pagar um agiota, os filhos que, com uma única exceção, mostram-se donos de um incorruptível caráter infantil. Coroando tudo isso, a imagem de uma Irlanda em que os moradores são capazes de tirar dinheiro do próprio bolso para ajudar um vizinho momentaneamente menos afortunado.
No papel de Agnes, Anjelica faz um belo bate-bola com Marion Monks (Marion O'Dwyer), também feirante, que descobre os pequenos prazeres da vida após receber um diagnóstico de câncer (outra redenção!).
Juntas, literalmente na saúde e na doença, Agnes e Marion lembram o que poderiam ter sido Thelma e Louise antes que as mulheres fossem às ruas queimar sutiãs.
Anjelica poderia, ao longo de todo o filme, ter empregado a mesma descontração que usou só nos primeiros minutos.
Em vez disso, optou por flertar perigosamente com as magias do destino. O resultado não chega a ser exatamente piegas mas que o público deixa o cinema com aquele gostinho de véspera de Natal, ah, isso deixa. Até a trilha de Tom Jones contribui para esta sensação.(Agência Estado)
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