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Premiado em Berlim, "Carne Fresca" fala de sonhos desfeitos
É um dos eventos paralelos importantes que ocorrem no âmbito do Festival de Berlim. Paralelamente à escolha do Urso de Ouro, para os filmes que integram a mostra competitiva principal, há outra disputa, pelo Urso de Pelúcia - só para filmes de temática homossexual. O grande sucesso do Urso de Pelúcia do ano passado foi Carne Fresca. O filme de Thom Fitzgerald representa a estética beefcake, que coloca em discussão o culto do corpo (o fisiculturismo) como obsessão dos gays.
Carne Fresca baseia-se na vida e obra de Bob Mizer, um fotógrafo dos anos 50 que fundou a primeira agência de modelos masculinos - a Athletic Models Guild. A história é contada como docudrama, alternando depoimentos (de Joe d'Alessandro, entre outros) com reconstituições ficcionalizadas com atores. Fitzgerald não faz segredo de qual foi o seu modelo. Ele não quis refazer O Povo contra Larry Flint, mas tomou como modelo o filme de Milos Forman que faz a defesa da liberdade de expressão reduzindo ao mínimo o debate sobre pornografia.
O Povo contra Larry Flint pode ser um modelo, mas às avessas. Fitzgerald começa discutindo a liberdade de expressão para enveredar por outra discussão - sobre o que é pornografia. Mizer foi um pioneiro que lançou o equivalente masculino das pin-ups da década de 30. Ele criou a versão masculina das garotas sexys e saudáveis que alimentavam o imaginário do macho americano, fazendo-o sonhar. Só que o público-alvo de Mizer eram os gays e o que ele oferecia eram fotos de homens seminus (e também nus). O filme começa discutindo o direito de Mizer de veicular esse tipo de informação.
Ampara-se no direito de liberdade de expressão, que é uma das pedras básicas da Constituição americana. Aproveita para denunciar o macarthismo, mostrando que os alvos do senador MacCarthy não eram só os comunistas infiltrados em Hollywood. Os gays, também. Mas isso é só o começo. Pois logo Carne Fresca focaliza a serpente infiltrada no paraíso que Mizer sonhou. O homoerotismo não era inocente como faziam pensar as fotos. Fitzgerald descobre um lado completamente diferente da inocência do fisiculturismo.
Não apenas a censura do macarthismo, mas também a prostituição masculina, as drogas e a violência. Tudo ficcionalizado por meio de um aspirante a ator, Neil O'Hara, que vira o protagonista da história. É um filme sobre sonhos desfeitos, sobre o desejo que corrompe, sobre a perversidade da situação em que vive o homossexual. Ao contrário de Rosa von Praunheim, Fitzgerald gera polêmica ao sugerir que o homossexual também é perverso. É um filme triste, depressivo. Vai lançar para baixo quem só busca um pouco de voyeurismo no escurinho do cinema.(Agência Estado)
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