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"O Primeiro Milhão" discute a doutrina do capital
Dinheiro pode trazer felicidade para jovens ambiciosos na mesma proporção que um pastor pode confortar suas ovelhas desafortunadas. A equivalência também existe à medida em que ambição e crença vão se reduzindo até o surgimento de uma complacência ou, o que é pior e menos comum, uma desilusão. É essa a comparação latente que nos transmite o filme O Primeiro Milhão, que estréia neste fim de semana.
A história ronda a vida do jovem Seth Davis, interpretado pelo ótimo Giovanni Ribisi. Desenganado com sua vida normal, Seth vai morar sozinho, larga a faculdade, e se entrega aos jogos de sorte. Percebe que a coisa é lucrativa e viciante, e monta um cassino profissional em sua própria casa. Como um traficante, ele condiciona os garotos do bairro a deixarem sua mesada ali e agarrarem a jogatina. Desse modo Seth começa a faturar um bom dinheiro.
Como uma promessa de redenção, aparece à Seth uma proposta irrecusável de se dedicar a uma profissão "honesta": ser corretor de ações. O interlocutor Greg (Nick Katt, também em ótima interpretação) é um amigo de infância de Seth que já conseguiu sua própria Ferrari com o negócio. Assim, aparece ao ingênuo jogador a oportunidade não só de fazer mais dinheiro, como também uma maneira de conseguí-lo legalmente e reconquistar assim a confiança perdida do próprio pai.
Vem a parte em que o doutrinamento é mais evidente: o corretor-sênior Jim Young reúne todos os trainees numa sala e, com uma retórica impecável - quase evangélica -, apresenta como é certo conquistar um milhão de dólares em três anos de trabalho. Young é interpretado por um Ben Affleck fora de forma, mas que, justamente por isso, convence como um perfeito charlatão.
A desilusão começa a surgir quando Seth desconfia das irregularidades da corretora. Além disso, a Polícia Federal começa a investigar a empresa, e faz um cerco ao qual Seth não escapa. Como cúmplice, ele conta somente com a namorada Abby (Nia Long), secretária da corretora e ex-garota de seu chefe.
A trama é conduzida com um ritmo extremamente dinâmico pelo jovem diretor Ben Younger, que estréia na direção com este filme. A narrativa em primeira pessoa da personagem Seth Davis é rápida e concisa. Os termos técnicos da área financeira podem não ser claros em alguns momentos – mas também não são o fio condutor da história, são somente um adorno que enfeita a trama com sua suposta prolixidade. O ambiente clean, azulado das cenas do escritório transferem a frieza típica da negociata da bolsa de valores, inteligentemente contraposta às cores quentes, avermelhadas das cenas com Abby ou com os amigos no cassino.
Ouvidos atentos para a trilha sonora, do rapper The Angel, com participações de Angie Hart, do Frente!, e Navigator do Asian Dub Foundation. Transmite uma agressividade coerente à crítica do filme, condenando a política do sucesso sórdido, presente o tempo todo. Olhos também abertos para futuras direções assinadas por Ben Younger.(Agência Estado)
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