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"Brava
Gente Brasileira" discute diferenças culturais no Brasil colonial
O mito grego do Cavalo de
Tróia vai ao Pantanal no ano de 1778. No lugar de gregos e troianos estão índios
e colonizadores portugueses. E no lugar de Helena e Páris estão a índia Ánote
e o português Diogo. Eles compõem o centro da trama em torno da qual gira o filme
Brava Gente Brasileira, da diretora carioca Lúcia Murat.
O filme
custou R$ 1,4 milhão e tem como principal patrocinador o Banco do Estado de São
Paulo (Banespa), seguido do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e da Rio Filmes, além do Programa Ibermédia. É uma produção da Taiga Filmes
e Vídeo, apoiada pela lei do audiovisual do Ministério da Cultura. Os trabalhos
tiveram início em abril de 1997, quando Lúcia fez a primeira visita à reserva
dos índios kadiwéu, que participaram do filme. As filmagens transcorreram durante
sete semanas em 1999.
Para
fazer Brava Gente Brasileira a diretora se baseou na leitura de um relatório
militar sobre o Forte de Coimbra, na região do Médio-Paraguai, no Pantanal, descrevendo
em poucas frases um episódio ocorrido no final do século 18, em muito semelhante
ao da mitologia grega. "É um filme de ficção, todos os personagens são ficcionados,
mas parte de um fato real, um Cavalo de Tróia perpetrado pelos índios", diz
Lúcia Murat em entrevista exclusiva à Gazeta da Bahia.
Choque de culturas
No roteiro escrito por ela um grupo de soldados acompanha Diogo (Diogo Infante),
um astrônomo, naturalista e cartógrafo ('homem de cultura refinada') recém-chegado
à região para fazer um levantamento topográfico para a Coroa Portuguesa. Naquela
área, os colonizadores tentam estabelecer um acordo de paz com os índios cavaleiros
- os guaicuru, que foram os primeiros indígenas da América Latina a montar
em cavalos, trazidos pelos espanhóis. No caminho para o Forte Coimbra os viajantes
acabam encontrando um grupo de índias tomando banho de rio e as estupram. Envolvido
no caso, Diogo impede que o brutal capitão Pedro (Floriano Peixoto) mate a índia
Ánote e a leva consigo para o forte. Lúcia Murat pretendeu com o filme ressaltar
o choque entre culturas muito diferentes, trabalhando em cima da questão da dificuldade
de uma pessoa se relacionar com a outra. No processo, acabou levando estas diferenças
para o próprio set de filmagens, trazendo um ator português consagrado em seu
país (Diogo Infante) para contracenar com índios de verdade - os kadiwéu, descendentes
dos guaicuru.
A idéia da diretora era que ficasse clara a diferença entre esses dois mundos.
"A Lúcia sugeriu que eu recorresse ao meu próprio impacto diante daquele
ambiente, no qual eu nunca havia estado antes. É claro que eu li sobre o século
18 e procurei saber como viviam os índios. Mas foi mesmo a relação que se estabeleceu
entre as pessoas e a força daquele lugar que me ajudaram a ir construindo o personagem",
disse Infante, que a diretora classifica como um superstar europeu.
Além de Diogo, outro personagem importante de Brava Gente Brasileira é
o capitão Pedro, interpretado por Floriano Peixoto. Ele faz o contraponto do etnógrafo
português, um homem rude e brutal, que tem o maior prazer em matar os índios.
Índias guerreiras
Quanto
aos índios, é sob o ponto de vista deles que Brava Gente Brasileira se
desenrola. Cerca de 40 kadiwéus participaram do filme. "A decisão de trabalhar
com os próprios índios foi muito importante, eles têm um gestual que nenhum branco
treinado consegue imitar", considera a diretora. A única que não é índia
de verdade é a atriz Luciana Rigueira, que fez o papel de Ánote. "Foi maravilhoso
fazer essa personagem, para desmistificar aquela imagem de Iracema das índias.
Principalmente as mulheres kadiwéus são muito guerreiras, fortes, cabeça erguida",
disse ela.
As diferenças
de cultura vieram à tona desde o início dos trabalhos. "De cara, percebi
a diferença de lógica", revela Lúcia Murat. "Entre os ocidentais a lógica
é do conquistador, que se vangloria de peito aberto. A indígena é da arapuca que
eles armam para o inimigo, a parte da estratégia, que na lógica dos brancos é
considerada traição".
Jornalista e cineasta, Lúcia criou no início dos anos 80 a produtora Taiga Filmes
e Vídeo, voltada para a produção de clips, comerciais e programas para a TV e
filmes. Entre estes, realizou O Pequeno Exército Louco, Que Bom Te Ver
Viva, Daisy e Doces Poderes. O próximo projeto é o longa-metragem Quase
Dois Irmãos.
Gazeta
Mercantil
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