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Maria de Medeiros concretiza sonho de 13 anos com "Capitães de Abril"
Maria de Medeiros, que acumula as funções de atriz e diretora, demorou 13 anos para fazer seu longa baseado na Revolução dos Cravos, que acabou com o salazarismo em Portugal.
Admite que não foi fácil concretizar o projeto - é um filme caro, "para os padrões portugueses, porque em Hollywood seu orçamento seria considerado irrisório", explica. Mais do que por se tratar de um projeto caro, o que causou polêmica foi o fato de uma mulher querer debruçar-se sobre um episódio decisivo da história portuguesa deste século.
Maria, que vive em Paris mas se mantém ligada a Portugal, e não só por motivos de trabalho, explica de onde veio seu interesse pelo tema. O pai era músico, a mãe jornalista e ambos estavam na oposição à ditadura de Salazar (na época da Revolução dos Cravos, ele já havia sido substituído por Marcelo Caetano no poder). "Era muito jovem quando conheci o capitão Maia, esse personagem emblemático da revolução", ela conta. Maia morreu em 1993, mas Maria foi sempre fascinada pela personalidade carismática de um dos líderes da revolução. Teve acesso aos seus escritos, em que ele expunha suas experiências nas guerras coloniais e as idéias revolucionárias. "São textos muito bonitos, muito cinematográficos, cheios de humor", conta. "
Maia e seus colegas viam-se como heróis, faziam muitas referências ao cinema." Eram também generosos, grandes figuras humanas. Essa generosidade, Maria acredita, foi o grande diferencial da revolução portuguesa. Durou pouco, porque os revolucionários da primeira hora foram substituídos pelas raposas políticas, como ela mostra no episódio que entregou o poder ao general Spínola.
O filme traz a marca de sua infância, aquilo que ela sonhou e ouviu, mas é filtrado por sua experiência de mulher adulta, "aquilo que eu venho pensando, desde então", diz.
Explica que a Revolução dos Cravos, que libertou Portugal do jugo da ditadura, ocorreu nos anos 70, no quadro da guerra fria entre Estados Unidos e a então União Soviética. "Aqueles capitães eram idealistas, sonhadores, não se identificavam com nenhum dos dois blocos, só isso já valeria um filme." Ela observa que vivemos hoje num mundo em que o dinheiro fala mais alto. "O poder é hoje econômico, globalizado; a lição dos capitães é que é mais importante dar do que tomar."
Uma frase, um conceito, permeia o filme de Maria. "Às vezes, a única solução é desobedecer." Maria acredita nisso, acha que a obediência cega é burra. E conta o que a inicitaria a desobedecer, hoje - "Há toda uma máquina preparada para nos fazer acreditar que existimos para consumir, quando na realidade não é nada disso."
O filme é visto com freqüência pelos olhos de uma menina, filha de um casal que vive a fratura de sua união. A mulher quer lutar por transformações, acha que o marido militar é reacionário. Na verdade, ele integra o movimento revolucionário. A menina descobre que seu pai é um herói, mas isso não salva o casamento. "Aquela menina não sou eu, aqueles não são meus pais, mas de certa forma eu posso me identificar com ela e escolhi seu olhar inocente e puro para mostrar aqueles dias que abalaram Portugal."
Ela conta como foi emocionante encenar as cenas de euforia popular, quando o povo saiu às ruas para apoiar os canhões. A florista distribui cravos aos revolucionários, como ocorreu na realidade, e o movimento ficou conhecido como Revolução dos Cravos. Tudo começou com uma senha, quando uma rádio veiculou, na madrugada de 24 para 25 de abril de 1974, uma canção proibida pela ditadura - Grandola Vila Morena. A partir daí, começou a movimentação dos militares, que logo teve respaldo nos civis. "Era mavilhoso ver as pessoas recriarem a história diante da câmera; elas ficaram tão entusiasmadas que não paravam quando eu gritava `Corta!'; a euforia deixava a todos nós da equipe excitados, porque sabíamos que estávamos captando algo muito forte e verdadeiro."
Como ocorreu na realidade, ela mostra que o movimento dos capitães foi conseqüência de Maio de 68. Muitos deles tinham sido universitários, muitos eram casados com universitárias. O papel das mulheres é realçado na passeata de apoio, quando elas assumem a frente com suas palavras de ordem - os homens na cozinha, mais liberdade sexual. "Foi uma licença poética", diz Maria, mas ela diz que tem tudo a ver. O espírito revolucionário é, por excelência, libertário e transformador. Ela conta o que quis passar com seu filme - "A revolução é um movimento interior; se não conseguirmos mudar interiormente, não poderemos abrir-nos para pensar em formas mais justas e humanas."
Desde a exibição em Cannes, fora de concurso, o filme já estreou em Portugal, onde virou um fenômeno popular, mesmo que Capitães de Abril tenha provocado polêmicas entre críticos e alguns daqueles que integraram o movimento. "Eles me criticam por detalhes, quando o importante é a generosidade que eu quis captar e expressar", ela resume. Tem planos para seguir carreira na direção, mas não promete outro painel histórico. Quer fazer algo mais intimista, uma história de relações, de gente. Acaba de fazer seu primeiro filme italiano - Honolulu Baby, de Maurizio Nicheti. E, pelo menos por ora, não tem planos de seguir a carreira nos Estados Unidos.
Amiga de Quentin Tarantino, teve participação destacada em Tempo de Violência (o cult Pulp Fiction). "Quero lançar Capitães de Abril na América, fazer um trabalho de convencimento para levar o público de lá aos cinemas."
O fato de seu filme ser ao mesmo tempo uma aventura e um documento histórico pode ajudar. Maia é interpretado no filme pelo italiano Steffano Acorsa. E o francês Frédéric Pierrot tem participação destacada no elenco. Maria confessa que viu Pierrot no filme de Ken Loach, Terra e Liberdade, sobre a Guerra Civil espanhola. Não pensou na presença do ator como uma homenagem ao diretor inglês, mas acha ótimo se as pessoas pensarem assim. "Ken é maravilhoso, faz o tipo de cinema político em que creio."
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