Busca

Pressione "Enter"

 

 

Envie comentários e sugestões Cobertura completa Sites de cinema Grupos de discussão Colunistas Os melhores filmes Notas dos filmes Todos os filmes Roteiro de cinema O que está passando no Brasil

Jovens decidem pela religião em
"O Chamado de Deus"



Se você já viu esse filme, dê sua nota:



Foi um chamado irresistível, uma convocação da realidade, como diz em certo momento um dos personagens de O Chamado de Deus, o documentário de José Joffily que estréia hoje. Há dois anos, o cineasta se deparou com discussões sobre as tendências da Igreja no Brasil, representadas em um religioso conservador do Rio de Janeiro e um padre de linha progressista, dedicado a causas sociais no Araguaia. Decidiu realizar um filme sobre o tema. Ambicioso, o diretor pensou em abarcar toda a instituição católica.

Rumou para o encontro anual da CNBB, pesquisou e recolheu 50 horas de imagens digitais. Foi quando se deu conta da dimensão da empreitada. "Eu tinha uma mixórdia de tendências e conflitos em mãos; seria pretensioso tratar de tudo num único documentário", lembra. Quem sabe por inspiração divina, Joffily teve a visão num encontro de fiéis em Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Ali, no interior de uma gruta, dois jovens se vestiam de palhaço para propagar as palavras da Bíblia. Eram vocacionados, aprendizes da fé católica e futuros padres. Joffily não conhecia tais personagens que diziam atender um chamado de Deus. Encantou-se com seus destinos e fez deles material de investigação.

A cena que mexeu com a curiosidade de Joffily está logo no início do filme. Um dos jovens franciscanos é José Mário. Ele será uma espécie de protagonista, tanto pela facilidade com que expressa e promove suas opiniões, como por ser o personagem mais representativo da ala engajada dos vocacionados, aquela próxima da comunidade e seus problemas. A rigor, estariam alinhados à Teologia da Libertação, embora neguem tal ligação. O contraponto já era mais conhecido do cineasta.

Ele foi procurar os novos alunos que seguem a formação dos seminários e, por isso mesmo, vivem fechados numa convivência que os distancia do corpo-a-corpo com a população. Neste módulo, os representantes também defendem com argumentos imperativos sua formação. A certa altura, cria-se uma empatia maior ou menor por determinado grupo, como num jogo de melhores. "Foi uma das descobertas durante as filmagens; os vocacionados são jovens sinceros, concatenados, com boa formação intelectual. Com isso, se expressam bem e fazem crer em seus valores. Eu fui com muita prevenção conhecer esse mundo, mas eles me desmontaram".

O diretor dá abertura imparcial aos seus protagonistas e não esconde do espectador que o documentário acontecia na medida de seu aprendizado e envolvimento com o tema. "As cenas seguem no ritmo em que fui descobrindo esse mundo; só a partir mesmo da escolha dos vocacionados como personagens é que começo a seguir um roteiro, a participar e influir no projeto", diz. Daí a guinada da cena de abertura para o resto da fita, toda estruturada nos jovens dedicados à fé. Joffily vai ao Templo do Terço Bizantino, aborda padre Marcelo Rossi e lhe pede uma entrevista. Colhe rapidamente alguns depoimentos dos carismáticos. "Sabia que era fundamental termos alguma conversa com ele, mas o material ainda não tinha destino".

Mais uma vez, o cineasta contou com a mão de seus vocacionados e o depoimento de Rossi, suas aparições em público, assim como as de seu colega carioca padre Zeca, são excelente contraponto ou confirmação das opiniões dos iniciantes. Num dos melhores recursos do documentário, os noviços assistem pela televisão as missas-show e fazem seus comentários. Os seminaristas são benevolentes, aceitam a doutrinação em massa como uma técnica dos tempos modernos para expandir a fé. Os jovens engajados, no entanto, são radicais e é de José Mário a leitura mais rigorosa: "Esse padre é um marketeiro". Nesse ponto, a ambição do documentário cresce e Joffily lança um olhar também sobre a amplitude do painel religioso brasileiro, se somando a mestres dessa análise como Eduardo Coutinho ("Santo Forte").

A princípio, é fácil detectar que a câmera de Joffily é mais simpática aos franciscanos e suas idéias de uma religião a serviço da comunidade. O diretor, no entanto, se defende da visão parcial. "Reconheço que eles são mais experientes, e por isso foram se impondo no projeto. Mas quem acompanhar com cuidado as opiniões e a prática dos vocacionados verá que há contradições nos dois grupos, que alguns criticam lançar mão de recursos como a música, mas também a usam". Acredita que uma possível tomada de partido não atrapalha neste caso. "Não foi proposital apontar possíveis equívocos, mas até pela pouca idade esses jovens são tão idealistas e firmes em suas crenças como quaisquer outros. Os erros os humanizam mais ainda".

O mais jovem personagem do filme é um seminarista de 16 anos. Num ponto os dois grupos de vocacionados estão unidos. "As mães foram tão importantes neste projeto que até valeriam um documentário à parte", diz Joffily. Ele as visita junto com os filhos que abandonaram a família pela Igreja e as encontra sempre entre o orgulho e a saudade. São belas cenas, que ajudam muito mais a construir o perfil dos vocacionados do que a versão habitual do tal "chamado divino". O exemplo de José Mário é tocante. Ele reencontra a mãe para lembrar do passado difícil de filho de divorciada, negligenciado pela comunidade, e que procurou a Igreja como porto seguro. Ambos vão às lágrimas. Joffily contou com duas colaborações valiosas na elaboração do projeto. A primeira veio da montagem de Eduardo Escorel.

É a estréia de Joffily com o veterano montador, premiado pelo vigoroso trabalho no Festival de Brasília do ano passado. A outra vem da tecnologia. Joffily filmou com câmera digital, o processo econômico que permitiu maior liberdade e flexibilidade com o material. "Jamais poderia filmar 50 horas no processo normal; além do mais, no digital não se fica com a consciência pesada ao se livrar do material que é dispensável". Percebeu, no entanto, que a tecnologia barata tem seus momentos e utilidades. "Não será para tudo; o realizador tem de considerar o que é melhor para um projeto, sua linguagem". Há, claro, colaborações de especialistas indispensáveis no caminho de elaboração do tema.

O diretor presta tributo principalmente aos padres Moacir Grechi, Pedro Casaldáliga e Ricardo Rezende, o nome atuante no Alto Araguaia. Não conseguiu, no entanto, fazer milagre em casa. O paraibano, filho do político e historiador José Joffily Bezerra de Melo, lembrou-se de um tio religioso, um ermitão que morava na serra fluminense, quando começou a pensar no projeto sobre religião. Foi procurá-lo. Frei Rosário Joffily era nonagenário e se esquivou o quanto pôde em falar do tema. Ao final, recomendou ao sobrinho que fizesse um filme sobre o Brasil, não sobre a Igreja Católica.

"Não adiantou muito, mas comecei a pensar como essas duas coisas eram ligadas neste país". Um projeto que se explica pela inquietude do presente, mas muito também por experiências do passado. Nos anos 70, ainda estreante, o cineasta era fotógrafo de publicações como O Cruzeiro e Realidade quando assinou seus primeiros curtas-metragens, Praça Tiradentes, Galeria Alaska, Copa Mixta, sobre Copacabana, entre outros. Eram projetos documentais senão na essência do gênero, por certo calcados na experimentação do cinema-verdade. Não por acaso sua chegada ao formato longa-metragem manteria muito desse interesse.

Primeiro em roteiros para colegas como Sérgio Rezende, em O Sonho Não Acabou, inspirado por fatos violentos em Brasília; para Tizuka Yamasaki em Parahyba, Mulher-Macho, baseado num livro de seu pai sobre a Revolução de 30; e mais evidente na história de Terra para Rose, de Tetê Moraes, numa época em que a luta dos agricultores sem-terra ainda não havia atingido a dimensão nacional. O filme só chegou ao circuito em 1991 e Joffily já tocava sua carreira na ficção, perspectiva que não se perderia de todo da documental, a exemplo de Quem Matou Pixote?. Aqui, o diretor recriou com atores o trágico destino de Fernando Ramos da Silva, o Pixote no filme de Hector Babenco. Um Chamado de Deus não só eleva a primeiro plano a influência documental de Joffily como redimensiona sua carreira um tanto indefinida entre registros variados. Talvez esteja aí a vocação do realizador.

Gazeta Mercantil



Procure na sua cidade

Assista ao trailer do filme



 








O CHAMADO DE DEUS

Título Original: O Chamado de Deus
País de Origem: Brasil
Ano:
2000
Duração: 80 min

Diretor: José Joffily










Copyright© 1996 - 2003 Terra Networks, S.A. Todos os direitos reservados. All rights reserved..