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"Chocolate" traz fábula divertida que alimenta os olhos
Em Chocolate, Juliette
Binoche faz duo novamente com Lena Olin. As duas contracenaram em A
Insustentável Leveza do Ser, de Milos Forman, baseado no genial romance
de Milan Kundera. Jean-Claude Carrière fez a adaptação e conta
coisas incríveis a respeito, como a forma com que criou a cena do toque
de telefone anunciando a invasão de Praga pelos russos e evitando a separação
do casal central. Truque de cinema, que o próprio Kundera aplaudiu.
Também inesquecível é a cena em que Juliette Binoche adentra o apartamento
de Daniel Day-Lewis, depois de terem se conhecido rapidamente em uma cidade
do interior, diante de um volume de Ana Karenina, de Tolstoi. Quem
mandou convidar? A irresistível caipira checa leva o Don Juan ao altar
e chora quando descobre
suas escapadas ao lhe cheirar o cabelo! Lena Olin faz o papel da amante
independente, que toma a dianteira de sair da então Checoslováquia para
a Suíça, onde as duas se tornam grandes amigas. Na tomada em que a fotógrafa
aponta a câmera para Binoche nua já se pode antever a grande atriz em
que ela se transformaria em pouco tempo, salvando chatices como O Amante
Inglês de uma merecida derrocada. As duas estabelecem um jogo de cumplicidade,
que quase conseguiram repetir em Chocolate.
Juliette Binoche ainda está irretocável em Trois Couleurs - Bleu,
de Krzysztof Kieslowski, como a viúva de um grande compositor, que descobre
que ele teve uma amante, grávida agora, e se porta como uma rainha. Não
é o melhor filme da trilogia, Branco ganha disparado, mas a protagonista,
associada à trilha
sonora de Preisner, não deixa a peteca cair. É curioso a França atual
produzir uma intérprete desse calibre, não estamos mais em tempos de Catherine
Deneuve, e a cinematografia local não anda arrasando como então. É uma
atriz inteligente, que está podendo escolher e mostrando que sabe fazê-lo
com discernimento. Vai filmar com Walter Salles, este sim o rei do casting
bem-aventurado - Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Juliette
Binoche, quem dá mais?
Chocolate é uma fábula de boa idéia e média realização. Lasse Hallström,
de Minha Vida de Cachorro (bom) e Regras da Vida (ótimo),
não acertou na massa ao presidir essa produção americana ambientada na
França. Claro que o argumento de uma chocolateira, cujos doces levam as
pessoas a se revelar, uma versão adocicada do histórico Um Dia, Um
Gato, poderia render mais. O diretor foi econômico, não sei se o livro
é melhor. Ao sair do cinema dá vontade de comer de tudo, menos chocolate.
Uma das melhores cenas é a dos preparativos para a festa, com Binoche
mexendo tachos da iguaria, quase à altura de Festa de Babette.
Juliette mostra que é muito mais que um rosto bonito, ao descobrir que
a velha amiga gulosa é diabética, ao temer que a filha morra num incêndio,
ao se dar conta que finalmente é aceita no vilarejo onde foi considerada
uma pecadora por deflagrar os pecados alheios. Como água para Chocolate,
para dar um exemplo gustativamente próximo, mostrava detalhes culinários,
sobretudo no livro, o que oferecia envolvimento suficiente para nós, reles
seres de sentidos aguçados, nos submetermos a acompanhar uma história
de amor definitiva.
O filme de Hallström fala basicamente de liberdade e de moralismos religiosos
e o pecado capital gula vincula-se automaticamente a todos os seus pares.
Ou seja, o homem é podre, mas pode ser redimido. No caso de
Vianne, é o vento norte que a faz receber a redenção e abrir mão dela
em nome da liberdade de ir e vir, fabricando suas guloseimas e bagunçando
a mediocridade em outras freguesias. Se o script tivesse sido dado a outra
atriz é bem possível que tudo isso fosse ainda menos mostrado. Com olhares
precisos e poucos gestos grandiloqüentes, ela consegue ajudar o diretor
a dizer a que veio e por conseguinte ajuda a todos nós. Oscar pra moça!
(Vivien
Lando/ Investnews - Gazeta Mercantil)
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