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Ricardo Dias registra as crenças do Brasil no documentário Fé
Destaque no 4º Festival Internacional de Documentários, Fé, de Ricardo Dias, radiografa o mosaico de crenças, cultos, seitas e religiões que se estendem por todo o País. O documentário de Dias é o primeiro a enfocar a relação do brasileiro com a divindade a chegar ao circuito, em Porto Alegre.
A estréia no Rio de Janeiro e São Paulo está prevista para outubro. Os outros dois ainda estão à espera de lançamento: Santo Forte, de Eduardo Coutinho, sobre a religiosidade dos habitantes de uma favela carioca, e Milagre em Juazeiro, de Wolney Oliveira, sobre o fenômeno do Padre Cícero no Ceará.
Com o documentário, Dias pretende inverter a visão cristalizada pela máxima de Karl Marx, sob o princípio "a religião não é o ópio do povo". Para Dias, a relação com o transcendente no Brasil não pode se restringir a um mero escape do desespero.
Ricardo Dias traça um mosaico exuberante das diversas manifestações religiosas no País
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Como um road-movie místico, Dias percorre os espaços geográficos onde as diversas formas da religiosadade de manifesta, pecando às vezes pelo excesso de linearidade na narrativa. O brasileiro em cena, na maioria das vezes, é o cidadão apartado e de baixa renda, que encontra consolo e força através da religião. Mas também é um brasileiro que se transfigura através da experiência individual do sagrado, talvez o único terreno de pleno domínio do desejo contra a adversidade.
A abertura de Fé focaliza as festividades do Círio de Nazaré, em Belém do Pará, onde uma multidão fervorosa acompanha uma procissão iluminada por velas; transporta-se para o Ceará, acompanhando fé dos romeiros no mesmo Padre Cícero que fascinou Coutinho; registra as vestimentas estapafúrdias e o discurso da nova era pregado pelos adeptos de Tia Neiva no Vale do Amanhecer, em Brasília; presencia o batismo em uma espécie de "piscina" em um culto evangélico; acompanha a Festa de Iemanjá na Praia Grande, em São Paulo, e a emoção das famílias que entram em contato com parentes perdidos em sessões espíritas, assim como o fenômeno do médiu Chico Xavier em Uberaba.
Ouvindo pessoas ligadas às manifestações, Dias capta momentos preciosos, como a da evangélica que teve sua vida transformada por Cristo e se torna pastora febril, e um pai-de-santo um tanto extravagante, mas que articula boas razões para a procura do divino, especialmente em um país depauperado. O grande mérito do cineasta (premiado por O Rio das Amazonas) está em recuperar um Brasil jogado para baixo do tapete frio das estatísticas, exibindo um painel exuberante e pouco estudado.
(Cássia Borsero)
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