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"A Mulher e o Atirador de Facas" traz papel perfeito para Vanessa Paradis
Patrice Leconte estava em Cannes, há alguns anos, participando do festival. Ouviu uma declaração de Wim Wenders. O autor de Paris, Texas disse que filmava para dar sua contribuição à criação de um mundo melhor. Leconte achou-o presunçoso. Não pensa mais assim. Acha que é obrigação do diretor de cinema investir no humanismo neste mundo globalizado que se desumaniza rapidamente. Leconte conversa pelo telefone com a reportagem. Está em Paris, no estúdio de som em que faz a mixagem do novo filme, Félix et Lola. O assunto é A Mulher e o Atirador de Facas, que Leconte realizou e estréia no Brasil. Mas o assunto também é A Viúva de Saint Pierre, que participa do Festival do Rio BR 2000.
A Mulher e o Atirador de Facas retoma a vertente de Um Homem Meio Esquisito e O Marido da Cabeleireira, que permanecem como os melhores filmes do diretor francês. Ele concorda, duplamente. Define "A Mulher" como uma história de amor, um filme intimista, como os dois citados. E também concorda que essa é a melhor linha de sua carreira, mesmo que os maiores sucessos de público sejam outros. Queria escrever um filme para Vanessa Paradis. Acha-a linda e talentosa. E começou a tecer (com Serge Frydman) a história da garota que está prestes a se suicidar, saltando de uma ponte, quando surge em sua vida o atirador de facas, que a integra ao seu número circense.
Não teria feito o filme com nenhuma outra atriz. Frydman e ele escreveram as primeiras cenas e levaram a Vanessa. Ela gostou e pediu aos dois que continuassem desenvolvendo a história. "Se ela tivesse dito não, o projeto teria morrido ali", confessa Leconte. Vanessa é a garota da ponte ("La Fille sur le Pont", título original). Daniel Auteuil é o atirador de facas. O filme começa de forma inusitada. "Era nosso propósito, todo diretor quer sempre surpreender para chamar a atenção do público." Vanessa fala diretamente para a câmera, conta sua história de fracassos familiares e amorosos e em pouco tempo o espectador já sabe tudo o que precisa sobre essa mulher.
Vanessa parece tão espontânea em cena que o espectador pode pensar que ela está improvisando. Nada menos verdadeiro, diz o diretor. "Não consigo trabalhar improvisando, tudo tem de ser minuciosamente escrito." Vanessa e Daniel Auteuil não mudaram uma vírgula. Ela foi prodigiosa. "Mergulhou tanto na personagem que rodamos numa só tomada, não foi preciso repetir." Um filme sobre o amor, ou sobre a obsessão amorosa. Leconte assume sua porção François Truffaut. Considera o amor o tema por excelência do artista, chega a dizer que tem a impressão de que o cinema existe, ou foi inventado, para contar histórias de amor.
Dá sua definição sobre o diretor - "É alguém que inventa histórias para perfumar a vida das pessoas." E concorda que filma para seduzir as mulheres. Sandrine Bonnaire em Um Homem Meio Esquisito, a magnífica Ana Galiena em O Marido da Cabeleireira, Vanessa Paradis. O repórter lembra Truffaut, que dizia que filmava por amor às mulheres. E ele amava mesmo, diz Leconte. "François muitas vezes filmava pelo desejo de dormir com suas atrizes, teve casos fortíssimos com quase todas elas." Quis fazer o filme em preto-e-branco. "Um dia amanheci pensando que seria asssim e foi." Diz que o cinema pode ser, e é, para muita gente, uma arte intelectual. Não para ele - interessam-lhe as emoções, os sentimentos. "Dificilmente consigo justificar minhas escolhas." O preto-e-branco foi instintivo. Queria que o filme fosse bonito visualmente. Acha que conseguiu.
O amor é de novo o tema de A Viúva de Saint Pierre. Ao contrário da "Mulher", que surgiu como um projeto pessoal, o outro foi uma obra de encomenda, na qual ele embarcou, atraído pelo roteiro. A história passa-se no século passado. Um homem é condenado à morte, mas não existe guilhotina em sua cidade, nem carrasco. Surge o carrasco, que se envolve com a viúva em potencial. O triângulo é formado por Juliette Binoche, Daniel Auteuil e Emir Kusturica, o famoso diretor.
Kusturica foi uma inspiração de momento. Leconte não achava o ator para o papel. Queria alguém diferente. Um dia topou com a foto do autor de Underground. Achou que era o homem. Convencê-lo foi mais fácil que Leconte imaginava. "Ele é aberto às experiências, imediatadamente aceitou estrear como ator." Foi o mais dócil dos atores. "Não interferiu em nada no set, fazia sua parte, não tentava me influenciar de maneira alguma." Leconte arrisca uma interpretação - "Foi como um período de férias para ele, que, nesse filme pelo menos, não precisava se preocupar com orçamento, com todas as decisões que é preciso tomar, a toda hora."
Analisa sua relação com os críticos. "Há filmes meus que eles amam, outros que detestam." Já comprou uma briga com os críticos, na França. "Disse coisas destemperadas que não devia ter dito." Mas não se arrepende. "Acho que gosto mais de cinema do que eles." Admira o cinema brasileiro. Lembra Gláuber Cacá Diegues. "Há neles um sopro, um lirismo, que me arrebata", confessa.(Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)
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