Truffaut revela infância
sombria na obra-prima Os Incompreendidos
Os Incompreendidos
não é só o primeiro longa de Truffaut, filmado em 1959: é um
dos títulos seminais da nouvelle vague e um dos melhores filmes
de todos os tempos.
O ator-mirim Jean-Pierre
Léaud participou de cinco filmes de Truffaut
|
Trata-se
de uma obra-prima. Parafraseando um comentário de François
Truffaut sobre Os Pássaros, de Alfred Hithcock, o cinema foi inventado
para que semelhante filme fosse feito.
Fotografado em preto-e-branco,
Os Incompreendidos acompanha o percurso
de um garoto de 12 ou 13 anos pela Paris do final dos anos 50.
A
criança está sempre se metendo em encrencas,
e vem daí o título original, Les 400 Coups – uma expressão idiomática
francesa que pode ser traduzida por “pintar o sete”.
Antoine Doinel mata
aula e mente que a mãe morreu, ergue um altar em honra de Honoré de Balzac
e quase mete fogo na casa, rouba e se arrepende, é
preso e foge.
O roteiro, do próprio
Truffaut, em parceria com Marcel Moussy, recusa
o clima piegas que costuma lambuzar filmes sobre infância.
É
quase um documentário,
profundamente alegre em certas partes e triste, suave, melancólico no
seu todo.
Passados quase 40 anos,
o final deve se manter surpreendente. É um dos
filmes mais simples e mais belos em cento e poucos anos de cinema.
Truffaut insistiu
no personagem
O homem que amava as
crianças não gostava de admitir o quão autobiográfico era o seu primeiro
longa-metragem.
François Truffaut (1932-1984)
não gostava de admitir, mas teve uma infância
bem parecida com a do protagonista de Os Incompreendidos.
Amargou problemas com os pais, aplicou pequenos golpes e acabou confinado
num reformatório juvenil.
O homem que amava o
cinema chegou a fazer do personagem Antoine Doinel e de seu intérprete,
o ator Jean-Pierre Léaud, uma espécie de alter ego. Doinel,
sempre interpretado por Léaud, voltou em outros quatro filmes ao longo
de 20 anos, num caso único de insistência no triângulo diretor-personagem-ator:
Antoine e Colette (1963), Beijos Proibidos (1968), Domicílio
Conjugal (1970) e O Amor em Fuga (1979).
O homem que amava as
mulheres repetiria em uma dezena de outros filmes sua devoção
aos temas da infância e da solidão. Numa entrevista, chegaria
a declarar que não conseguiria fazer outro filme “tão eficaz” como Os
Incompreendidos:
– Fico muito surpreso
quando me dizem que se trata da solidão de uma criança. É exatamente isso
o que eu queria.(Eduardo Veras, Agência
RBS)
|