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"Leila" é o drama do feminismo possível no Irã contemporâneo
Leila, 14.º longa-metragem de Dariush Mehrjui, pode ser recomendado mesmo para alérgicos a cinema iraniano. Ou seja, quem não suporta criança, metalinguagem e tramas fluidas. "Leila" é apenas um drama clássico. Um drama de costumes, ambientado no Irã contemporâneo e construído com toda a sutileza que a trama exige. A história, ou pelo menos o centro dela, parece bem simples.
Leila é uma moça muito bonita, que se casa com Reza, o amor de sua vida, e é feliz até que se descobre incapaz de dar herdeiros ao marido. Estéril, vai tentar todos os tratamentos médicos e, quando esses se revelarem inúteis, conhecerá todo o peso de uma certa tradição iraniana. O que determina essa tradição? Que quando a mulher é infértil, o marido deve arranjar uma segunda esposa, que lhe garanta descendência.
O interessante é a maneira como esse tema é trabalhado. Porque Mehrjui tem o cuidado de colocar contrapontos. Seria muito fácil dizer que a tradição é ainda absoluta e, portanto, Leila e Reza deverão curvar-se a ela. No entanto, o Irã vive sua transição de abertura para o mundo. Novos costumes, novas maneiras de pensar, que abrem frestas no absolutismo dos aiatolás.
Reza é de certa maneira manipulado pela mãe que, esta sim, representa a permanência do antigo modo de pensar. Ele se deixa levar, mesmo que docemente constrangido, como quem se vê protagonista de um ritual perverso, do qual adora participar, sem que confesse esse sentimento, mesmo sob tortura. Leila (muito bem interpretada por Leila Hatami) também é um ser de ambigüidade.
Aparentemente concorda em participar do ritual da tradição, mas acaba por se opor a ele, firmemente, porém, como verá o espectador, talvez tarde demais. Fosse esse um filme vindo de Hollywood provavelmente teríamos o habitual oba-oba feminista sem nenhuma consideração pelos dados da realidade: as pessoas fazem a histórias, mas não como a querem e sim como podem, para lembrar um certo filósofo alemão em desuso.
Leila como Reza não são senhores absolutos dos seus atos. Também não são joguetes. Ficam a meio caminho entre o determinismo absoluto (que é uma ilusão) e o livre-arbítrio total (que é outra ilusão, pior ainda do que a primeira). Fazem o que podem, para descobrir, depois, que poderiam ter agido diferentemente, o que talvez lhes tivesse poupado muitos aborrecimentos.
Com todas as limitações impostas pelo princípio de realidade, "Leila" não deixa de ser um filme feminista - à sua maneira.
A lindíssima protagonista deixa-se levar pela vontade dos outros (quer dizer, da tradição), mas só até certo ponto. Sabe que há um momento em que dizer sim mais uma vez equivale a tornar-se fantoche. Sabe escolher para si uma saída que, se não chega a ser trágica, pelo menos carrega na força dramática.
Leila, a personagem, não é uma Antígona. É apenas uma mulher que descobre na força de vontade uma forma de humanização possível, mesmo num regime de existência ainda limitado e fechado. Toda a evolução da personagem é construída com noção de tempo oriental. Paciente, atenta a detalhes, a inflexões, a nuances. Atenta, enfim, a tudo aquilo que se está perdendo na arte cinematográfica. Só por essa maneira de encenar esse drama da tomada de consciência, o filme já vale a pena.(Agência Estado)
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